Imprimir esta página

Lutero disse: Cristo cometeu adultério?

Escrito por  James R. Swan
Local onde o Conversas à mesa foi registrado

Estas citações de Lutero aparecem frequentemente. Por exemplo, nos fóruns do CARM, um católico romano disse:

Procurando por alguma coisa eu me deparei com a seguinte citação de Martinho Lutero, encontrada em seus trabalhos em alemão, e eu estou curioso para ver se alguém aqui a viu antes e talvez possa oferecer uma explicação para ela. "Cristo cometeu adultério pela primeira vez com a mulher do poço de que nos fala São João. Não se diz sobre ele: 'Que fez, então, com ela'? Depois, com Maria Madalena, depois, com a mulher adúltera, que ele absolveu tão levianamente. Assim, Cristo, tão piedoso, também teve que fornicar, antes de morrer"(D. Martin Luthers Werke, kritische Gesamtausgabe, vol. 2, no. 1472, April 7 - May 1, 1532, p. 33)

Não há necessidade de ir ao alemão, a citação está disponível na versão inglesa dos trabalhos de Lutero. É sobre a Conversas à Mesa de Lutero, LW 54:154.

No. 1472: Cristo Reprovado como Adúltero Entre 7 de Abril e 1 de Maio, 1532

[Martinho Lutero disse,] "Cristo foi um adúltero pela primeira vez com a mulher no poço, pois foi dito, 'Ninguém sabe o que ele está fazendo com ela' (João 4:27). Novamente [ele foi um adúltero] com Madalena, e ainda com a mulher adúltera em João 8[:2–11], a quem ele facilmente deixou ir. Assim o bom Cristo teve que se tornar um adúltero antes de morrer

Bem, como alguém responde a isto? A citação de fato parece escandalosa.

Primeiro, a citação não possui contexto. Ninguém sabe exatamente o que Lutero tinha em mente. Estava ele brincando? Estava ele resumindo o argumento de alguém? Estava ele usando hipérbole? É realmente difícil de dizer. Se tomada literalmente, certamente está em divergência com outras declarações sobre Cristo. Assim, mesmo que ninguém saiba exatamente porque ele disse isto, nós podemos ter uma forte certeza que ele não quis dizer isto literalmente.

Os editores dos trabalhos de Lutero incluem uma nota de rodapé para este comentário de Lutero, e eles oferecem a seguinte especulação:

"Esta entrada tem sido citada contra Lutero, entre outras, por Arnold Lunn em The Revolt Against Reason (New York: Sheed & Ward, 1951), pp. 45, 257, 258. O que Lutero queria dizer poderia ter sido feito mais claro se John Schlaginhaufen tivesse indicado o contexto da observação do Reformador. O contexto provável é sugerido em um sermão de 1536 (WA 41, 647) no qual Lutero declarou que Cristo foi reprovado pelo mundo como glutão, beberrão e até mesmo um adúltero".

Se você se deparar com um católico romano citando estas palavras contra Lutero (ou qualquer comentário obscuro do Conversas à Mesa de Lutero) eu recomendo você estas palavras do erudito católico romano Thomas O'Meara:

"...Católicos estão usando argumentos retóricos inexatos quando eles fazem o valor da teologia e reforma de Lutero depender da sua linguagem no Conversas à Mesa. Apelos retóricos à mente – mas isto apela através das emoções. Ela alcança a mente não através de um ato puramente intelectual, examinando o caso a fundo e logicamente, mas por saltos e amarras, guiado por emoções e vontades, faculdades que são incapazes de um julgamento calmo sobre o que é verdade" (Thomas O'Meara, Mary in Protestant and Catholic Theology, New York: Sheed and Ward, 1966, pág. 5).

Eu sempre aviso católicos romanos a serem cuidadosos com o Conversas à Mesa de Lutero. O Conversas à Mesa é uma coleção de comentários de Lutero escritos por estudantes e amigos de Lutero. Assim, não é oficialmente um escrito de Lutero e não serve de base para interpretar sua teologia. Mesmo o historiador católico e anti-Lutero, Hartmann Grisar, apontou que,

"É claro, não se deve ignorar que o Conversas à Mesa são efêmeros – 'filhos do momento'. Enquanto eles corretamente e vividamente representam as ideias do locutor, menos a calma reflexão que prevalesce no escrito das cartas e ainda mais dos livros, eles contém frequentes exageros e denunciam uma falta de moderação. Os flashes estilo relâmpago que eles emitem não são sempre verdadeiros. Os exageros momentâneos do locutor às vezes gera contradições que conflitam com outras conversas ou declarações literárias. Frequentemente declarações humorísticas são recebidas como declarações sérias. Humor e sátira de um tipo muito pungente fazem um grande papel nestas conversas" (Hartmann Grisar, Martin Luther: His Life and Work, Maryland: Newman Press, 1950, pág. 481).

O seguinte artigo tem algumas informações úteis: O que Lutero disse? Jesus e Maria Madalena, Christian Century, Maio 16, 2006 por Matthew Becker:


Um artigo nova-iorquino recente sobre Maria Madalena, obviamente escrito com um olho em seu papel de amante de Jesus no best-seller de Dan Brown, O código Da Vinci, iniciou notando que "Brown não é de forma alguma o primeiro a sugerir que Cristo teve uma vida sexual – Martinho Lutero disse isto" (Fevereiro 13-20). Bruce Chilton, um erudito Episcopal do Bard College, também faz este clamor sobre Lutero em Mary Magdalene: A Biography (2005). E uma história de 2003 na revista Time declarou que "Martinho Lutero acreditou que Jesus e Maria foram casados".

Lutero realmente fez estas declarações? Uma busca eletrônica na edição digital dos trabalhos de Lutero, a grande Weimar Ausgabe (WA), revela nenhuma evidência de que ele fez. Somente duas declarações chegam perto de sugerir estas ideias não ortodoxas.

O primeiro é um comentário no Salmo 119:145 no qual Lutero interpreta as ações de Maria Madalena na tumba de Cristo como um exemplo de devoção amorosa. Maria "veio adiante ao amanhecer e com pressa fora de hora, chorando e chamando por seu noivo [sponsum] muito mais maravilhosamente em espírito do que no corpo. Mas eu acho que ela sozinha poderia facilmente explicar o Cântico dos Cânticos".

Luther's Works: American Edition (LW) infelizmente traduz errado sponsum como "marido". No contexto monástico medieval de Lutero, a palavra significava algo diferente. O verbo spondeo significa "prometer alguém para" ou "prometer alguém a alguém", assim como "prometer alguém nos votos do casamento". A forma masculina do nome é "noivo" e a feminina é "noiva".

O contexto completo da observação de Lutero indica que ele estava pensando alegoricamente. Influenciado pela maioria das interpretações alegóricas do Cântico dos Cânticos, Lutero viu Maria como a prototípica discípula (uma freira celibatária?), a primeira "noiva de Cristo", que fez seu voto de amor incondicional e obediência ao seu sponsum ("noivo"). Mesmo hoje em dia freiras Católicas Romanas usam um anel para simbolizar seu noivado com Cristo. Em outra ocasião, Lutero argumentou que todos os cristãos são "noivas de Cristo" (LW 28:48). Ele certamente não pensava que Jesus e Maria eram de fato marido e mulher. Várias declarações não ambíguas em seus escritos indicam que ele manteve a visão tradicional que Jesus, como Paulo, foi celibatário e casto.

Aparentemente mais problemático é uma pequena anotação de John Schlagenhaufen, um dos amigos mais próximos de Lutero, que contém uma memória de algo que Lutero supostamente disse informalmente em seu jantar em Wittenberg em 1532:

Cristo [como] adúltero. No primeiro caso

Jesus se tornou um adúltero

com a mulher no poço em João

4, porque eles disseram (ninguém entende),

"O que ele está fazendo com

ela?" Da mesma forma com Madalena;

na mesma forma com a

adúltera de João 8, quem ele deixou

ir tão facilmente. Desta forma o bom

Cristo antes de tudo também se tornou

um adúltero antes de morrer. (WA

TR 6, 107, sec. 1472; cf. LW 54:154)

Ninguém sabe se Lutero realmente disse isto. O aparato crítico no Weimar Ausgabe revela os problemas textuais e gramaticais nesta suposta citação. Schlagenhaufen gravou apenas uma porção do que ele lembrava que Lutero disse aquele dia (e depois de quantas cervejas?). Nenhum contexto é dado.

Estudiosos sabem como é difícil, se não impossível, ligar as lapidárias "anotações à mesa" de Lutero a seus próprios pontos de vista. Os editores da Edição Americana especulam em uma nota de rodapé que o "provável contexto é sugerido em um sermão de 1536 (WA 41, 647) no qual Lutero declara que Cristo foi reprovado pelo mundo como um glutão, um beberrão e até mesmo um adúltero" (LW 54:154).

Um contexto mais provável é o relato de Lutero sobre o sacrifício. Uma de suas declarações básicas que que nossos pecados se tornam os de Cristo e a justiça perfeita de Cristo se torna nossa pela fé. Esta ideia da "troca feliz" é encontrada em vários textos de Lutero. Dado sua preocupação soteriológica e cristológica central, a ironia teológica na anotação lembrada por Schlagenhaufen se torna clara: O "bom" Cristo se torna ou é feito um pecador através de sua solidariedade com pecadores, mesmo ao ponto de morrer como um criminoso amaldiçoado por Deus na cruz. Isto era como Lutero entendia a declaração de Paulo, "Deus fez aquele que não conhecia pecado algum ser pecado por nós, para que nele nós nos tornemos a justiça de Deus" (2Co 5:21).

Assim Cristo "se torna" um adúltero, apesar dele não cometer adultério de fato com Maria ou qualquer outra. Ele coloca a misericórdia na frente e no centro, e rejeita o legalismo que demanda que a mulher pega em adultério seja morta e a mulher no poço e Maria Madalena sejam evitadas. O santo se torna o pecador por se colocar na situação dos pecadores, por amá-los e perdoá-los, e finalmente, por tomar seus pecados para si. Por esta razão evangélica, Lutero podia também destacar que Deus fez Jesus "o pior pecador de todo mundo", mesmo que ele também reconhecesse que o irrepreensível, justo Cristo não cometeu nenhum pecado por si mesmo.

Cercado por uma abordagem literalística da nota sem contexto de Schlagenhaufen, alguns leitores podem perder o caráter metafórico da observação, que Lutero pode ter feito, se ele fez de fato, com um piscar de olhos. Estou confiante que Lutero não seria um fã do Código Da Vinci – exceto talvez com uma cerveja na mão e aquele piscar de olhos.

Fonte: http://beggarsallreformation.blogspot.com/2005/12/luther-said-christ-committed-adultery.html

Ler 33871 vezes
Avalie este item
(7 votos)