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Eusébio descreve o sofrimento dos mártires

Escrito por  Eusébio de Cesaréia

Prólogo

martires

Depois de haver escrito em sete livros inteiros a sucessão dos apóstolos, cremos que é um de nossos mais necessários deveres transmitir, neste oitavo livro, para conhecimento também dos que virão depois de nós, os acontecimentos de nosso próprio tempo1, pois merecem uma exposição escrita bem pensada. E nosso relato terá seu começo a partir deste ponto.

I. Da situação anterior à perseguição de nossos dias

1. É uma tarefa gigantesca explicar como merecido quais e quão grandes foram, antes da perseguição de nosso tempo, a glória e a liberdade de que gozou entre todos os homens, gregos e bárbaros, a doutrina da piedade para com o Deus de todas as coisas, anunciada ao mundo por meio de Cristo.

2. Ainda assim, prova disto poderia ser a acolhida dos soberanos para com os nossos2, a quem inclusive entregavam o governo das províncias, dispensando-os da angústia de ter que sacrificar, pela muita amizade que reservavam a nossa doutrina.

3. Que necessidade há de falar dos que estavam nos palácios imperiais e dos supremos magistrados? Estes consentiam que seus familiares - esposas, filhos e criados - agissem abertamente, com toda liberdade, com sua palavra e sua conduta, no referente à doutrina divina, quase permitindo-lhes inclusive gloriar-se da liberdade de sua fé. Consideravam-nos especialmente dignos de aceitação, mais ainda do que seus companheiros de serviço.

4. Assim era o famoso Doroteo, o melhor disposto e mais fiel de todos para com eles e por isto o mais distinguido com honras, mais até do que os que ocupavam cargos e governos. E com ele o célebre Gorgonio e quantos foram considerados dignos da mesma honra que eles, por razão da palavra de Deus.

5. Era visível também de que favor todos os procuradores e governadores julgavam dignos os dirigentes de cada igreja! E quem poderia descrever aquelas concentrações de milhares de homens e aquelas multidões das reuniões em cada cidade, igual às célebres concorrências aos oratórios? Por esta causa precisamente, já não contentes de modo algum com os antigos edifícios, levantaram desde as fundações igrejas de grande amplidão por todas as cidades.

6. Com o tempo isto avançava e cobrava cada dia maior vulto e grandeza, sem que inveja alguma o impedisse e sem que um mau demônio fosse capaz de fazê-lo malograr nem criar obstáculos com conjuros de homens, tanto a mão celestial de Deus protegia e custodiava seu próprio povo, porque em realidade o merecia.

7. Mas desde que nossa conduta mudou, passando de uma maior liberdade ao orgulho e à negligência, e uns começaram a invejar e injuriar aos outros, faltando pouco para que fizéssemos a guerra mutuamente com as armas mesmo, e os chefes dilaceravam os chefes com as lanças das palavras, os povos se sublevavam contra os povos e uma hipocrisia e dissimulação sem nome alcançavam o mais alto grau de malícia, então o juízo de Deus, com parcimônia, como gosta de fazer, quando ainda se reuniam as assembléias, suave e moderadamente suscitava sua visita, começando a perseguição pelos irmãos que militavam no exército.

8. E nós, como se estivéssemos insensíveis, não nos preocupamos sobre como tornar-nos benévola e propícia a divindade, mas como alguns ateus, que pensam que nossos assuntos escapam a todo cuidado e inspeção, íamos acumulando maldades sobre maldades, e os que pareciam ser nossos pastores rechaçavam a norma da religião, inflamando-se em mútuas rivalidades, e não faziam mais do que aumentar as rixas, as ameaças, a rivalidade e a inimizade e ódio recíprocos, reclamando encarniçadamente para si o objeto de sua ambição como se fosse o poder absoluto. Então sim, então foi quando, segundo diz Jeremias: obscureceu o Senhor em sua cólera a filha de Sion e precipitou do céu para baixo a glória de Israel, sem recordar-se do estrado de seus pés no dia de sua ira; antes, o Senhor submergiu nas profundezas todas as belezas de Israel e destruiu todas suas valas3;

9. E segundo o profetizado nos Salmos, destruiu o testamento de seu servo e com a ruína das igrejas profanou seu santuário, destruiu todas suas valas e plantou a covardia em suas fortalezas. E todos os caminhantes saqueavam ao passar as multidões do povo, e como se isto fosse pouco, converteu-se em ofensa para seus vizinhos. Porque exaltou a destra de seus inimigos e desviou o fio de sua espada e não o sustentou na guerra, mas até despojou-o de sua pureza, derrubou ao solo seu trono, encurtou os dias de seu tempo, e por último cobriu-o de ignomínia4.

II. Da destruição das igrejas

1. Tudo isto se cumpriu, efetivamente, em nossos dias, quando com nossos próprios olhos vimos os oratórios inteiramente arrasados, desde o telhado até os fundamentos, e as divinas e sagradas Escrituras entregues ao fogo nas praças públicas, e os pastores das igrejas ocultando-se aqui e ali vergonhosamente, ou presos indecorosamente e escarnecidos pelos inimigos quando, segundo outro oráculo profético, lançou o desprezo sobre os príncipes e os faz andar errantes por onde não há caminho5.

2. Mas não é tarefa nossa descrever as tristes calamidades que estes por fim passaram, pois tampouco é nosso deixar memória de suas mútuas dissensões e de suas loucuras de antes da perseguição, pelo que decidimos também não contar sobre eles mais do que aquilo que nos permita justificar o juízo de Deus.

3. Por conseguinte, não nos deixamos levar a fazer memória dos que foram tentados pela perseguição ou dos que naufragaram por completo no assunto de sua salvação e por sua própria vontade se precipitaram nos abismos das ondas, mas à história geral vamos acrescentar unicamente aquilo que possa ser de proveito primeiramente a nós mesmos e logo também a nossa posteridade. Vamos, pois; comecemos já desde este ponto a descrever em resumo os combates sagrados dos mártires da doutrina divina.

4. Era este o ano dezenove do império de Diocleciano e o mês de Distro -entre os romanos se diria o de março6 - quando, estando próxima a festa da Paixão do Salvador, por todas as partes estenderam-se editos imperiais mandando arrasar até o solo as igrejas e fazer desaparecer pelo fogo as Escrituras, e proclamando privados de honras7 a aqueles que delas desfrutavam e de liberdade aos particulares se permanecessem fiéis em sua profissão de cristianismo8.

5. Assim foi o primeiro edito contra nós, mas não muito depois vieram-nos outros editos nos quais se ordenava: primeiro, lançar nas prisões todos os presidentes das igrejas em todo lugar, e depois, forçá-los por todos os meios a sacrificar.

III. Do modo de conduzir-se dos que combateram na perseguição

1. Então, pois, precisamente então9, numerosos dirigentes das igrejas, lutando animosamente em meio a terríveis tormentos, ofereceram quadros de grandes combates, mas foram milhares os outros, os que de antemão embotaram suas almas com a covardia, e assim facilmente se debilitaram desde a primeira acometida. Dos restantes, cada um foi alternando diferentes espécies de tormentos: um tendo seu corpo lacerado por açoites; outro castigado com as torturas insuportáveis do potro e dos garfos, nas quais alguns já perderam suas vidas.

2. E outros, por sua vez, passaram pelo combate de formas muito diversas. A um efetivamente, os demais empurravam pela força, e aproximando-se dos infames e impuros sacrifícios, deixavam-no ir como se tivesse sacrificado, ainda que não o tivesse feito. Outro, ainda que de modo algum tivesse se aproximado nem tivesse tocado nada maldito, como os demais diziam que havia tocado, retirava-se em silêncio carregado com a calúnia; outro levantavam meio morto e o lançavam como se já fosse um cadáver;

3. e ainda houve quem, deitado ao solo, era arrastado longo trecho pelos pés e era contado entre os que haviam sacrificado. Um gritava, e a altas vozes atestava sua negativa em sacrificar, e outro vociferava que era cristão e se gloriava de confessar o nome salvador; outro sustentava firme que ele nem havia sacrificado nem sacrificaria jamais.

4. Mesmo assim, também estes foram lançados fora à força sob repetidos golpes na boca por parte do nutrido grupo de soldados que para este fim estava ali formado, e com bofetadas no rosto e nas faces foram reduzidos ao silêncio. Tão grande era o afã que os inimigos da religião tinham de aparentar, por todos os meios, que haviam conseguido seu intento. Mas nem tais métodos serviam contra os santos mártires. Que discurso seria suficiente para uma descrição exata dos mesmos?

IV. Dos mártires de Deus dignos de serem celebrados, como encheram cada lugar com sua memória depois de cingir-se variadas coroas em defesa da religião

1. Efetivamente, poder-se-ia relatar que foram inumeráveis os que mostraram um zelo admirável pela religião do Deus do universo, não somente desde o momento em que estourou a perseguição contra todos, mas muito antes, quanto ainda se mantinha a paz.

2. Porque foi muito recentemente quando o que havia recebido o poder10, como quem se levanta de um sono profundo, empreendeu-a contra as igrejas, ainda ocultamente e não às claras, no tempo que sucedeu a Décio e Valeriano. E não atacou de um golpe com uma guerra contra nós, mas ainda provou-a somente com os que estavam nas legiões, pois deste modo pensava que capturaria mais facilmente também os demais se primeiro saísse vitorioso na luta contra aqueles. Era de se ver então o grande número de soldados abraçando contentíssimos a vida civil e evitando assim converter-se em negadores de sua religião para com o Criador de todas as coisas.

3. Efetivamente, assim que o general do exército - quem quer que então fosse - empreendeu a perseguição contra as tropas e se deu a classificar e depurar os funcionários militares, como lhes desse a escolha entre seguir gozando a graduação que lhes correspondia, se o obedeciam, ou ver-se, pelo contrário, privados da mesma se se opunham às suas ordens, muitíssimos soldados do reino de Cristo, sem vacilar, preferiram a confissão de Cristo à glória aparente e ao bem-estar que possuíam.

4. Nesse momento era raro que um ou dois destes recebessem não somente a perda da graduação, mas também a morte em troca de sua piedosa resistência, pois então o urdidor da conspiração ainda guardava certa moderação e ousava aventurar-se somente a um ou outro derramamento de sangue, já que ainda o assustava, segundo parece, a multidão dos fiéis e ainda vacilava em desatar uma guerra contra todos de uma só vez.

5. Mas quando se lançou ao ataque mais abertamente, impossível expressar com palavras o número e a qualidade dos mártires de Deus que aqueles que habitavam as cidades e os campos podiam contemplar.

V. Dos mártires de Nicomedia

1. Assim pois, tão prontamente como se promulgou em Nicomedia o edito contra as igrejas, um que não era personagem obscuro11, mas dos mais preclaros, segundo a estimativa das excelências de sua vida, empurrado pelo zelo de Deus, lançou-se com fé ardente, e depois de arrancar o edito que se achava em lugar visível e público, por considerá-lo ímpio e irreligioso, rasgou-o, apesar de haver na mesma cidade dois imperadores, o mais antigo de todos e o que depois dele ocupava o quarto posto no governo12. Mas este foi o primeiro dos que naquela ocasião se distinguiram desta maneira, e depois de sofrer em seguida o que era de supor por tal atrevimento, conservou a calma e a tranqüilidade até seu último suspiro.

VI. Dos mártires das casas imperiais

1. Acima de todos quantos foram celebrados alguma vez como admiráveis e famosos por sua valentia, assim entre os gregos como entre os bárbaros, esta ocasião fez destacar os divinos e excelentes mártires Doroteo e os servidores imperiais que o acompanhavam. Ainda que seus amos os tenham considerado dignos da mais alta honra e no trato não os deixavam atrás de seus próprios filhos, eles julgavam, com toda verdade, maior riqueza do que a glória e o prazer desta vida as injúrias, os trabalhos e os variados gêneros de morte inventados contra eles por causa de sua religião. Somente mencionaremos o fim que teve um deles e deixaremos a nossos leitores que por ele concluam o que sucedeu aos outros.

2. Na mencionada cidade, um deles foi conduzido publicamente ante os imperadores já indicados; ordenaram-lhe, pois, que sacrificasse, e ao opor-se, mandaram pendurá-lo desnudo e lacerar todo seu corpo a força de açoites até que, rendido, fizesse o ordenado mesmo contra a vontade.

3. Mas como ele se mantinha inflexível mesmo depois de padecer estes tormentos, e seus ossos já apareciam à vista, misturaram vinagre com sal e o derramaram nas partes mais laceradas de seu corpo. Mas também desdenhou estas dores, e então trouxeram ao meio umas brasas e fogo, e como se faz com a carne comestível, foram consumindo no fogo o resto de seu corpo, e não todo de uma vez, para que não morresse em seguida, mas pouco a pouco. Os que o haviam posto sobre a fogueira não podiam soltá-lo até que, ainda depois de tantos padecimentos, desse sinal de aceder ao mandado.

4. Mas ele, solidamente aferrado a seu propósito, entregou vencedora sua alma em meio aos tormentos. Tal foi o martírio de um dos servidores imperiais, digno realmente do nome que levava: chamava-se Pedro.

5. Ainda que não tenham sido menores os tormentos dos outros13, em consideração às proporções do livro os omitiremos, e unicamente mencionaremos que Doroteo e Gorgonio, juntamente com muitos outros do serviço imperial, depois de passar por combates de todo gênero, morreram enforcados e alcançaram o prêmio da divina vitória.

6. Neste tempo, Antimo, que então presidia a igreja de Nicomedia, foi decapitado por seu testemunho de Cristo. E a ele se juntou uma multidão compacta de mártires quando nesses mesmos dias, e sem saber-se como, deflagrou-se um incêndio no palácio imperial de Nicomedia. Ao suspeitar-se falsamente e correr o boato de que havia sido provocado pelos nossos, a uma ordem imperial, os cristãos daquele lugar, em tropel e amontoadamente, uns foram degolados a espada, e outros acabaram pelo fogo. Uma tradição diz que então homens e mulheres saltavam por si mesmos ao fogo com um fervor divino inefável. Os verdugos, por sua parte, amarravam outra multidão a umas barcas e a lançavam aos abismos do mar.

7. Quanto aos servidores imperiais, depois de sua morte haviam sido confiados à terra com as honras correspondentes, mas os que se encaram como donos fizeram-nos exumar novamente, com a opinião de que estes também deveriam ser lançados ao mar, para que não acontecesse que jazendo em sepulcros fossem adorados e os considerassem - ao menos isto pensavam eles - como deuses. Tais foram os acontecimentos do começo da perseguição em Nicomedia.

8. Mas não muito depois, havendo alguns tentado, na região chamada Melitene, e outros inclusive na Síria, atacar o império, saiu uma ordem imperial de que em todas as partes se encarcerasse e acorrentasse os dirigentes das igrejas.

9. E o espetáculo a que isto deu lugar ultrapassa toda narração: em todas as partes se encerrava uma multidão inumerável, e em todo lugar os cárceres, anteriormente aparelhados, desde antigamente, para homicidas e violadores de tumbas, transbordavam agora de bispos, presbíteros, diáconos, leitores e exorcistas, até que não sobrasse lugar ali para os condenados por suas maldades.

10. Mais ainda, ao primeiro edito seguiu-se outro14, em que se mandava deixar irem livres os encarcerados que tivessem sacrificado e passar pela tortura os que resistissem. Como, repito, neste caso alguém poderia enumerar a multidão de mártires de cada província, sobretudo da África, Mauritânia, Tebaida e Egito? Do Egito, alguns que inclusive haviam emigrado para outras cidades e províncias sobressaíram por seus martírios.

VII. Dos mártires egípcios da Fenícia

1. Nós conhecemos dentre eles pelo menos os que brilharam na Palestina, e inclusive conhecemos os que se sobressaíram em Tiro da Cilicia. Vendo-os, quem não ficaria pasmo com os inumeráveis açoites e a resistência com que os suportaram estes atletas da religião verdadeiramente maravilhosos? E depois dos açoites, o combate com as feras devoradoras de homens, os ataques de leopardos, de ursos de diferentes espécies, de javalis e de touros feridos com ferro em brasa: como não pasmar-se da admirável paciência daquelas nobres pessoas frente a cada uma destas feras?

2. Também nós nos achamos presentes a estes acontecimentos e observamos como o poder divino do próprio Jesus Cristo, nosso Salvador, de quem eles davam testemunho, se fazia presente e se mostrava claramente aos mártires: as feras devoradoras de homens tardaram muito tempo a atrever-se a tocar e até a aproximar-se dos corpos dos amigos de Deus, enquanto se lançavam contra os outros que as açulavam de fora, sem dúvida; os santos atletas foram os únicos a quem de modo algum tocaram, apesar de que se achavam de pé, desnudos, e lhes faziam gestos com as mãos, provocando-as contra si mesmos (pois assim lhes mandaram que fizessem). Inclusive quando se lançavam contra eles, novamente retrocediam, como rechaçadas por uma força mais divina.

3. O fato de prolongar-se este espetáculo longo tempo causou grande assombro entre os espectadores, ao ponto de que, ante a inação da primeira fera, soltaram uma segunda e até uma terceira contra um só e mesmo mártir.

4. Era para ficar atônito ante a intrépida constância daqueles santos em tais circunstâncias e ante a firme e inflexível resistência de seus corpos jovens. Ali pois, verias um jovem, da idade de vinte anos incompletos, de pé, sem correntes e com as mãos estendidas em forma de cruz, que com ânimo impassível e tranqüilo se entregava com a maior calma às orações de Deus, sem mover-se nem desviar-se o mínimo do lugar onde se achava, enquanto ursos e leopardos, respirando furor e morte, quase tocavam já sua carne; mas, não sei como, por uma força inefável e divina, a ponto já de fechar suas mandíbulas, novamente saíam correndo para trás. Assim era este homem.

5. Também poderias ter visto outros (eram cinco no total) que foram lançados a um touro bravo. Aos de fora15 que se aproximavam este os lançava ao ar com seus cornos e os despedaçava, deixando-os meio mortos para serem retirados; já quando se lançava furioso e ameaçador somente contra os santos mártires, nem podia aproximar-se deles; ainda que desse golpes aqui e acolá com suas patas e cornos, e respirasse furor e ameaça porque o açulavam com ferro em brasa viva, a providência sagrada o arrastava para trás. Assim, como este touro não lhes fizesse o mínimo dano, soltaram contra eles outras feras.

6. Finalmente, depois de terríveis e variadas acometidas destas, todos eles foram degolados a espada e entregues às ondas do mar em vez de à terra e aos sepulcros.

VIII. Dos mártires do Egito

1. Assim foi também a luta dos egípcios que em Tiro empreenderam publicamente seus combates pela religião.

Mas deles se poderia admirar ainda mais os que sofreram martírio em sua pátria, onde homens, mulheres e crianças, em número incontável, desprezando o viver passageiro, suportaram pelo ensinamento de nosso Salvador diferentes gêneros de mortes: uns, depois dos garfos, dos potros, dos açoites crudelíssimos e de infinitos e variados tormentos, que fazem estremecer só de ouvi-los, foram lançados ao fogo; outros foram tragados pelo mar; outros estendiam valentemente as próprias cabeças aos que as cortam; outros inclusive morriam em meio às torturas; a outros consumiu a fome, e outros por sua vez foram crucificados, uns como é costume fazer aos malfeitores, e a outros ainda pior, pregados ao contrário, a cabeça para baixo, e deixados com vida até que morressem de fome sobre o próprio patíbulo.

IX. Dos mártires de Tebaida

1. Mas os ultrajes e dores que suportaram os mártires de Tebaida ultrapassam toda descrição. Laceravam-lhes todo seu corpo empregando conchas em vez de garfos, até que perdessem a vida; atavam as mulheres por um pé e as suspendiam no ar com umas máquinas, com a cabeça para baixo e o corpo inteiramente desnudo e a descoberto, oferecendo a todos os observadores o espetáculo mais vergonhoso, o mais cruel e mais desumano de todos.

2. Outros, por sua vez, morriam amarrados a árvores e ramos: puxando com umas máquinas juntavam os ramos mais robustos e estendiam até cada um deles as pernas dos mártires, e deixavam que os ramos voltassem a sua posição natural. Assim haviam inventado o esquartejamento instantâneo daqueles contra quem empreendiam tais coisas.

3. E tudo isto se perpetrava já não por uns poucos dias ou por uma breve temporada, mas por um longo espaço de anos inteiros, morrendo às vezes mais de dez pessoas, às vezes mais de vinte; em outras ocasiões, não menos de trinta, e alguma vez até cerca de sessenta; e ainda houve uma vez que em um só dia deu-se morte a cem homens, certamente com seus filhinhos e suas mulheres, condenados a vários e sucessivos castigos.

4. E nós mesmos, achando-nos no lugar dos fatos, vimos muitos sofrerem em massa e num só dia, uns a decapitação, e outros o suplício do fogo, até o ferro perder o fio de tanto matar e partir-se em pedaços por puro desgaste, enquanto os próprios assassinos se revezavam entre si pelo cansaço.

5. Então podíamos contemplar o ímpeto admirável e a força e fervor realmente divinos dos que creram e seguem crendo no Cristo de Deus. Efetivamente, ainda se estava ditando sentença contra os primeiros e já de outras partes saltavam para o tribunal ante o juiz outros que se confessavam cristãos, sem preocupar-se em absoluto com os terríveis e multiformes gêneros de tortura, mas sim proclamando impassíveis, com toda liberdade, a religião do Deus do universo e recebendo a suprema sentença de morte com alegria, regozijo e bom humor, ao ponto de cantar salmos, hinos e ações de graças ao Deus do universo até exalar o último alento.

6. Admiráveis foram também estes, em verdade, mas mais admiráveis foram especialmente aqueles que, brilhando por sua riqueza e seu nome, por sua glória, sua eloqüência e filosofia, mesmo assim, tudo isto preteriram à verdadeira religião e à fé em nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo.

7. Assim era Filoromo, encarregado de certa magistratura importante da administração imperial de Alexandria, que por sua dignidade e cargo romanos, cada dia administrava justiça com escolta de soldados. E assim era Fileas, bispo da igreja de Tmuis, varão ilustre por seus cargos e funções públicas desempenhadas em sua pátria, não menos que por seus conhecimentos de filosofia.

8. Estes homens, ainda que um grande número de parentes e de amigos, assim como outros magistrados ativos lhes suplicassem, e apesar de que o próprio juiz lhes exortasse a que tivessem compaixão de si mesmos e olhassem por seus filhos e mulheres, de modo algum se deixaram levar por tão fortes argumentos para escolher o amor à vida e desprezar as leis sobre a confissão e a negação de nosso Salvador, mas, resistindo a todas as ameaças e insolências do juiz com varonil e filosófica razão, mais ainda, com ânimo pleno de piedade e amor de Deus, foram ambos decapitados.

X. Informes escritos do mártir Fileas acerca do ocorrido em Alexandria

1. Posto que já dissemos que Fileas foi digno de grande consideração por seus muitos conhecimentos profanos, venha ele mesmo ser testemunha de si mesmo e ao mesmo tempo nos declare quem era e nos conte com maior exatidão do que nós faríamos os martírios ocorridos em seu tempo em Alexandria. Estas são suas palavras:

Da carta de Fileas aos Tmuitas

2. "Como nas divinas e sagradas Escrituras encontramos todos estes exemplos, modelos e bons indicadores, os bem-aventurados mártires que estavam conosco, sem vacilar o mínimo, fixando limpidamente os olhos de suas almas no Deus do universo e abraçando em suas mentes a morte pela religião, aferravam-se tenazmente a sua vocação por terem encontrado que nosso
Senhor Jesus Cristo se fez homem por nossa causa, para destruir pela raiz todo pecado e prover-nos de viático de entrada na vida eterna, pois não teve como usurpação o ser igual a Deus, mas que esvaziou-se a si mesmo tomando forma de servo, e reconhecido em sua figura como homem, humilhou-se a si mesmo até a morte, e morte de cruz16.

3. Pelo que, os mártires portadores de Cristo, procurando os dons maiores17, suportaram todo trabalho e toda classe de invenções de tormentos, não uma só vez, mas alguns até duas vezes, e ainda que os guardas rivalizassem em ameaças contra eles, não só por palavra, mas também por obra, não abandonaram sua resolução, por aquele cujo amor perfeito lança fora todo o temor18.

4. E que discurso bastaria para enumerar sua força e seu valor em cada tormento? Porque, como todo aquele que o quisesse tinha permissão para ultrajá-los, uns os golpeavam com paus, outros com varas, outros com açoites, outros com correias e outros com cordas.

5. O espetáculo das torturas variava e continha em si muita maldade, porque alguns eram pendurados do potro, com as duas mãos amarradas às costas, e por meio de certas máquinas distendiam-lhes todos os membros, e estando assim, os verdugos, a uma ordem, se enfureciam com seus corpos em sua totalidade, não somente nas costas, como se costumava com os assassinos, mas castigavam-nos com suas armas defensivas19 inclusive no ventre, nas pernas e nas faces. Outros eram pendurados do pórtico atados por uma só mão; a tensão das articulações e dos membros era mais terrível que qualquer dor. Outros, por fim, eram atados às colunas cara a cara e sem pousar os pés no chão: com o peso do corpo, as ataduras se tensionavam e apertavam fortemente.

6. E isto suportavam não somente enquanto o governador conversava com eles e deles se ocupava, mas quase durante o dia inteiro, pois enquanto passava aos outros, deixava que seus ministros vigiassem os primeiros para o caso de algum, vencido pelas torturas, parecer ceder, mas ordenando impiedosamente que apertassem ainda mais as ataduras20 e que, descendo os que ao fim expirassem, os arrastassem pela terra.

7. E não tinham por nós a mínima consideração, mas agiam como se não existíssemos, um segundo tormento que, além dos golpes, inventaram nossos adversários.

8. Havia os que inclusive depois dos tormentos jaziam sobre o cepo com os pés distendidos até o quarto furo, de forma que até por força tinham que ficar de boca para cima sobre o cepo, impotentes, por terem recentes as feridas dos golpes por todo o corpo. Outros jaziam estirados no solo por efeito dos tormentos aplicados de uma vez, e ofereciam aos curiosos um espetáculo mais cruel do que ao serem atormentados, pois levavam em seus corpos as marcas das múltiplas e diversas torturas inventadas.

9. Assim as coisas, uns morriam em meio aos tormentos, envergonhando com sua constância o adversário; outros, encerrados meio mortos no cárcere, faleciam ao cabo de poucos dias oprimidos pelas dores; e os demais, conseguida a recuperação de suas forças a base de cuidados21, com o tempo e a estadia no cárcere fizeram-se ainda mais animosos.

10. Assim pois, quando lhes foi exigido escolher22: ou tocar o sacrifício abominável e não ser molestado, conseguindo deles a liberdade maldita, ou não sacrificar e receber condenação à morte, eles, sem vacilar o mínimo, marcharam alegremente para a morte, pois sabiam que as Sagradas Escrituras nos prescrevem: Quem oferecer, diz, sacrifícios a outros deuses será exterminado23; e não terás outros deuses além de mim24."

11. Tais são as palavras que o mártir, como verdadeiro filósofo e amigo de Deus, estando ainda no cárcere antes de sua última sentença, escreveu aos irmãos de sua igreja, confiando-lhes a situação em que se encontrava e, ao mesmo tempo, exortando-os a manterem-se firmemente fiéis à religião de Cristo mesmo depois de sua iminente consumação.

12. Mas que necessidade há de estender-se prolixamente e de juntar a combates recentes outros combates ainda mais recentes, sustentados pelos santos mártires em toda a terra, sobretudo aqueles que já não eram atacados em conformidade com uma lei comum, mas com todo o aparato de uma guerra?

XI. Dos mártires da Frígia

1. Ocorreu pois, que já então, na Frígia, toda uma pequena cidade de cristãos foi cercada com todos seus homens por soldados que lhe atearam fogo e queimaram a todos, inclusive crianças e mulheres, que invocavam a gritos o Deus do universo. A razão foi que todos os habitantes da cidade em massa, inclusive o próprio inspetor imperial de contas, os duunviros e todos os magistrados com o povo inteiro, haviam-se confessado cristãos e não obedeciam nem o mínimo aos que lhes ordenavam adorar os ídolos.

2. E houve outro, chamado Adaucto, possuidor de uma dignidade romana e procedente de uma linhagem ilustre da Itália, que havia avançado por todos os graus da honra ante os imperadores, ao ponto de haver passado irrepreensivelmente aos postos da administração geral, no que eles chamam de ofício de diretor superior e intendente geral. Havendo-se distinguido além de tudo isto por suas obras virtuosas na religião e por suas repetidas confissões do Cristo de Deus, suportou o combate pela religião no exercício de seu cargo de intendente geral e foi coroado com a diadema do martírio.

XII. De muitíssimos outros, homens e mulheres, que combateram de diversas maneiras

1. Que necessidade tenho eu agora de recordar por seus nomes os demais, de contar a multidão dos homens ou de pintar os variados tormentos dos admiráveis mártires? Uns foram mortos com machados, como ocorreu aos da Arábia; a outros queimaram as pernas, como sucedeu aos da Capadócia; às vezes os penduravam do alto pelos pés, cabeça para baixo, e acendiam debaixo um fogo lento, cuja fumaça os asfixiava ao arder a lenha, como no caso dos da Mesopotâmia; e às vezes cortavam-lhes o nariz, as orelhas e as mãos e partiam em pedaços os restantes membros e partes de seus corpos, como aconteceu em Alexandria.

2. Para que reavivar a recordação dos de Antioquia, dos que eram assados em braseiros, não para fazê-los morrer, mas para alongar seu tormento; e dos que preferiam meter sua mão direita no fogo a tocar o sacrifício maldito? Alguns deles, para fugir da prova, antes de serem presos e de cair nas mãos dos conspiradores, eles mesmos se lançavam do alto de suas casas, considerando o morrer como um subtrair-se à maldade dos ímpios.

3. E certa pessoa, santa e admirável pela virtude de sua alma, ainda que mulher por seu corpo, e famosa ainda entre todas as de Antioquia, por sua riqueza, sua linhagem e seu bom nome, havia criado suas filhas nas leis da religião, um par de virgens notáveis pela beleza de seu corpo e em plena juventude. Moveu-se contra elas muita inveja que por todos os meios se esforçava em descobrir seu esconderijo. Ao inteirar-se de que se achavam em terra estrangeira, arranjou-se astutamente para chamá-las a Antioquia, e assim caíram nas redes dos soldados. Vendo-se a si mesma e as suas filhas em tal apuro, a mãe falou-lhes e lhes expôs os horrores que lhes viriam dos homens, inclusive o mais terrível e insuportável de todos, a ameaça de violação, exortando-se a si mesma e exortando as filhas a não tolerar nem sequer que chegassem a roçar-lhes os ouvidos. Dizia-lhes também que entregar suas almas à escravidão dos demônios era pior do que todas as mortes e que toda ruína, e lhes sugeria que a única solução de tudo isto era a fuga para o Senhor.

4. Então, estando de acordo as três, arranjaram decentemente seus vestidos em torno de seus corpos e, chegadas ao meio do caminho, pediram aos guardas permissão para afastarem-se um momento, e se lançaram ao rio que corria ali ao lado.

5. Estas pois, lançaram-se elas mesmas, mas na mesma Antioquia houve outro par de virgens, em tudo dignas de Deus e verdadeiramente irmãs, ilustres por sua linhagem, brilhantes por sua posição, jovens na idade, formosas de corpo, santas de alma, piedosas de caráter e admiráveis em seu zelo, às quais, como se a terra não fosse capaz de suportar tanta grandeza, os servos dos demônios mandaram lançar ao mar. Isto é o que ocorreu a estas.

6. Outros, de sua parte, sofreram no Ponto tormentos que, só de ouvi-los fazem estremecer. A uns trespassaram os dedos com hastes pontiagudas, cravadas pela ponta das unhas; a outros, depois de fundir chumbo no fogo, fervendo e candente como estava, vertiam-no sobre as costas e lhes queimavam as partes mais necessárias do corpo;

7. e outros sofreram em seus membros secretos e em suas entranhas tormentos vergonhosos, implacáveis e impossíveis de expressar com palavras, tormentos que aqueles nobres e legítimos juízes imaginavam com o maior zelo, mostrando sua crueldade como um alarde de sabedoria e tratando com esforço de superar-se uns aos outros na invenção de suplícios, sempre mais novos, como num concurso com prêmios.

8. Mas o fim destas calamidades chegou quando, já sucumbindo à fadiga de tal excesso de males, cansados de matar e fartos e aborrecidos de tanto derramamento de sangue, voltaram-se ao que tinham por bom e humano, de modo que já parecia que nada terrível se empreenderia contra nós.

9. Porque não convinha, diziam, manchar as cidades com sangue de sua própria gente, nem acusar de crueldade o poder supremo dos príncipes, benévolo e suave para com todos, antes, fazia-se necessário estender a todos o benefício da humana e imperial autoridade e não mais castigar com a pena de morte. Efetivamente, segundo eles, por causa da humanidade dos imperadores, este seu castigo ficava abolido contra nós.

10. Então ordenou-se arrancar os olhos e inutilizar uma das pernas, pois para eles isto era humano e o castigo mais leve aplicado contra nós; em conseqüência, por causa desta humanidade dos ímpios, já não era possível descrever a multidão incalculável de mutilados: uns, aos quais primeiro foi arrancado o olho direito com a espada e logo cauterizado; outros, aos quais haviam inutilizado o pé esquerdo, também por meio de cautérios nas articulações, e os que haviam condenado às minas de cobre de cada província, não tanto por seu serviço quanto para maltratá-los e fazê-los sofrer. Além de todos estes, outros sucumbiram em diversos combates que nem sequer é possível catalogar, já que suas façanhas vencem toda palavra.

11. Nestes combates, os magníficos mártires de Cristo brilharam por toda a terra habitada e, como era natural, por todas as partes enchiam de assombro as testemunhas oculares de seu valor, e em si mesmos ofereciam a prova manifesta do poder verdadeiramente divino e inefável de nosso Salvador. Mas seria longo, para não dizer impossível, fazer menção de cada um por seus nomes.

XIII. Dos presidentes das igrejas, que por meio de seu sangue mostraram a verdade da religião de que eram embaixadores

1. Entre os dirigentes das igrejas que sofreram martírio nas cidades célebres, o primeiro que devemos proclamar como mártir nos monumentos erigidos aos santos do reino de Cristo é Antimo, bispo da cidade de Nicomedia, que foi decapitado.

2. Dos mártires de Antioquia, Luciano, excelentíssimo presbítero daquela igreja por toda sua vida, o mesmo que, em Nicomedia, em presença do imperador, proclamou o reino celestial de Cristo, primeiro por palavra, com uma apologia, e logo também pelas obras.

3. Dos mártires da Fenícia, os mais ilustres podem ser os pastores do rebanho espiritual de Cristo, amados de Deus em tudo, Tiranion, bispo da igreja de Tiro; Zenóbio, presbítero da de Sidon, e também Silvano, bispo das igrejas da comarca de Emesa.

4. Este último, junto com outros, foi pasto das feras na mesma Emesa e recebido assim entres os coros dos mártires. Quanto aos outros dois, ambos glorificaram o Verbo de Deus em Antioquia com sua constância até a morte: o bispo, lançado aos abismos do mar; e Zenóbio, o melhor dos médicos, morrendo valorosamente em meio às torturas que lhe aplicaram aos costados.

5. Entre os mártires da Palestina, Silvano, bispo das igrejas da comarca de Gaza, foi decapitado, junto com outros trinta e nove, nas minas de cobre de Feno; e ali mesmo terminaram sua vida pelo fogo, junto com outros, os bispos egípcios Peleo e Nilo.

6. E entre estes mencionaremos a grande glória da igreja de Cesaréia, o presbítero Pánfilo, o mais admirável de nossos tempos; já descreveremos no momento oportuno a excelência de suas façanhas.

7. Entre os gloriosamente consumados em Alexandria, em todo Egito e na Tebaida, citaremos em primeiro lugar Pedro, bispo da própria Alexandria, exemplar divino de mestres da religião de Cristo; e os presbíteros que com ele estavam, Fausto, Dío e Ammonio, mártires perfeitos de Cristo; assim como Fileas, Hesiquio, Paquimio e Teodoro, bispos das igrejas do Egito, e outros inúmeros além deles, todos ilustres, dos quais fazem memória as igrejas de cada região e de cada lugar. Colocar por escrito os combates dos que lutaram pela religião divina em toda a terra habitada e narrar com exatidão tudo o que lhes aconteceu não é tarefa nossa, mas poderiam torná-la própria os que captaram os fatos com seus próprios olhos. Quanto aos que eu mesmo presenciei, darei a conhecê-los à posteridade por meio de outro livro.

8. Na presente obra, ao já dito acrescentarei a palinódia25 cantada pelo que se pôs contra nós desde o começo da perseguição, que será do máximo proveito para os leitores.

9. Agora bem, que palavras seriam bastantes para descrever a abundância de bens e a prosperidade de que foi digno o governo de Roma antes de sua guerra contra nós, durante o período em que os governantes eram amigáveis e pacíficos conosco? Era o tempo em que os que governavam o império universal cumpriam o décimo e o vigésimo aniversário de seu comando e passavam sua vida em completa e sólida paz entre festas, jogos públicos e esplêndidos banquetes e festins.

10. Mas quando sua autoridade, livre de obstáculos, crescia dia a dia e prosperava a grandes passos, de repente deram uma mudança em sua pacífica disposição para conosco e suscitaram uma guerra sem quartel. Mas não se haviam cumprido os dois anos de semelhante movimento quando por todo o Império se produziu algo imprevisto que transtornou todos os assuntos.

11. Efetivamente, havendo-se abatido sobre o primeiro e principal dos que mencionamos26 uma enfermidade que não augurava nada bom e que lhe transtornou a mente até aliená-lo, retirou-se à vida comum e privada junto com o que ocupava o segundo posto nas honras27. Mas ainda não se tinha isto realizado assim, e já o Império se partia em dois, todo ele, coisa que jamais no que se recorda ocorreu anteriormente28.

12. Mas ao cabo de não muito longo intervalo, o imperador Constâncio, que em toda sua vida havia tratado a seus súditos com a maior suavidade e benevolência e à doutrina divina com a melhor amizade, terminou sua vida segundo a lei comum da natureza, deixando seu filho legítimo Constantino como imperador e augusto em seu lugar. Bondoso e suave mais que os outros imperadores, ele foi o primeiro29 dentre eles ao qual proclamaram deus, por considerá-lo digno de toda a honra que se deve a um imperador depois de sua morte.

13. Ele foi também o único dos nossos contemporâneos que durante todo o tempo de seu mandato portou-se de um modo digno do Império. No demais, mostrou-se para todos o mais favorável e benfeitor, e não participou o mínimo da guerra contra nós, antes até, preservou livres de dano e de constrangimentos os fiéis que eram seus súditos. Tampouco derrubou os edifícios das igrejas nem admitiu novidade alguma contra nós, e teve o final de sua vida triplamente abençoado, pois foi o único que morreu querido e glorioso em seus próprios domínios imperiais, junto a um sucessor, seu legítimo filho, prudentíssimo e muito piedoso em tudo.

14. Seu filho Constantino, imediatamente proclamado desde o início imperador absoluto e augusto pelas legiões, e muito antes destas, pelo próprio Deus, imperador universal, mostrou-se cópia de seu pai na piedade para com nossa doutrina. Assim era este homem. Mas, além deles, proclamou-se a Licínio como imperador e augusto por voto comum dos imperadores.

15. Isto irritou terrivelmente a Maximino, que até este momento ainda seguia com o único título de césar. Em conseqüência, como era um grande tirano, arrebatou para si fraudulentamente a dignidade de augusto e nisto converteu-se por si e ante si.

E neste tempo surpreendeu-se tramando um atentado contra a vida de Constantino a aquele que, como foi demonstrado, depois de sua abdicação voltou ao cargo e morreu com a mais vergonhosa morte. Foi o primeiro de quem destruíram as inscrições honoríficas, as estátuas e tudo o que se costumava oferecer, como de um homem por demais sacrílego e ímpio.

XIV. Do caráter dos inimigos da religião

1. Seu filho Maxêncio30, que em Roma havia-se constituído em tirano, começou fingindo ter nossa fé, por agradar e adular o povo romano, e por esta razão ordenou a seus súditos interromper a perseguição contra os cristãos, simulando piedade e pensando que assim pareceria acolhedor e muito mais brando que seus antecessores.

2. Na verdade não resultou nas obras como se esperava que seria, mas que, chegando a todo tipo de sacrilégios, não descuidou de uma só obra de perversidade e desregramento, cometeu adultérios e todo tipo de corrupção. Por exemplo, separando de seus maridos as legítimas esposas, ultrajava-as da maneira mais desonrosa e em seguida mandava-as de volta aos maridos; e cuidava de não fazer isto com pessoas insignificantes e obscuras, mas antes, escolhia dentre os mais eminentes dos que haviam alcançado os primeiros postos do senado romano31.

3. Todos os que estavam a sua mercê, plebeus e magistrados, famosos e gente comum, todos estavam cansados de tão terrível tirania, e ainda que estivessem em calma e suportassem sua amarga escravidão, ainda assim, não mudava em nada a sanguinária crueldade do tirano. Efetivamente, às vezes com um pretexto fútil dava carta branca a seu corpo de guarda para executar uma matança contra o povo, e assim foram assassinadas multidões incontáveis do povo romano no meio da cidade, e não por obra das lanças e armas dos citas e bárbaros, mas dos próprios cidadãos.

4. Assim, por exemplo, não é possível calcular o número de senadores assassinados com vistas a apoderar-se de suas fortunas, pois foram infinitos os eliminados em diferentes ocasiões e por diferentes causas, todas inventadas.

5. Mas o cúmulo dos males levou o tirano à magia. Com vistas à magia fazia abrir o ventre de mulheres grávidas, escrutinar as entranhas de crianças recém-nascidas ou degolar leões, e criava algumas abomináveis invocações sobre demônios e um sacrifício conjurador da guerra, pois ele tinha posto toda sua esperança nestes meios para chegar à vitória.

6. Em conseqüência, enquanto ele esteve como tirano em Roma, é impossível dizer o que fez para escravizar seus súditos, tanto que os próprios víveres mais necessários chegaram a uma escassez e penúria tão extremas como nossos contemporâneos não lembram ter visto em Roma nem em nenhuma outra parte.

7. Quanto ao tirano do Oriente, Maximino, tendo feito um pacto secreto de amizade com o de Roma, como com um irmão na maldade, esforçava-se em ocultá-lo o maior tempo possível, mas foi descoberto e pagou logo como lhe era merecido.

8. Era de admirar como também ele havia conseguido afinidade e irmandade, e mais, o primeiro lugar em maldade e a palma em perversidade, com o tirano de Roma. Efetivamente, considerava os principais charlatães e magos dignos da mais alta honra, de tão medroso e extremamente supersticioso que era e pela importância que dava a errar em matéria de ídolos e demônios. Sem consultar adivinhos e oráculos era absolutamente incapaz de atrever-se a mover, por assim dizer, sequer uma unha.

9. Esta foi a causa de que se entregasse com maior fúria e freqüência à perseguição contra nós. Deu ordem de levantar templos em todas as cidades e renovar diligentemente os santuários destruídos pelo passar do tempo; estabeleceu em cada lugar e em cada cidade sacerdotes de ídolos, e sobre estes, como sumo sacerdote de cada província, com escolta e guarda militar, um dos magistrados que mais brilhantemente houvessem se distinguido em todos os cargos públicos, e por fim, presenteou o comando e as maiores honras, sem a menor reserva, a toda classe de feiticeiros, por crê-los gente piedosa e amiga dos deuses.

10. Partindo destes princípios, vexava e oprimia já não uma cidade ou uma região, mas todas as províncias que estavam sob seu domínio, com cobranças de ouro, prata e riquezas sem conta, e com gravíssimas acusações falsas e outras diferentes penas, segundo a ocasião. Tomando dos ricos os bens acumulados por seus antepassados, distribuía a mãos cheias riquezas e montes de dinheiro aos aduladores que o rodeavam.

11. Na verdade, entregava-se a tais excessos de bebida e de embriaguez que, bebendo, enlouquecia e perdia a razão, e dava tais ordens estando bêbado, que no dia seguinte, recobrados os sentidos, tinha que arrepender-se. Não se permitia ficar atrás de ninguém como crápula e desregrado, tornando-se mestre de maldade para os que o rodeavam, governantes e governados. Incitava o exército com todo tipo de prazeres e intemperanças a entregar-se à frouxidão, e provocava os governantes e comandantes militares a cair sobre os súditos com rapinas e mesquinhez, tendo-os quase como companheiros de tirania.

12. Para que recordar as torpezas passionais daquele homem ou contar a multidão de mulheres que corrompeu? De fato, não passava por uma cidade sem cometer adultérios continuamente e raptar donzelas.

13. Saía-se bem nessas façanhas com todos, exceto unicamente com os cristãos, que, desprezando a morte, desdenhavam tamanha tirania. Os homens, efetivamente, suportavam o fogo e o ferro, a crucificação, as feras e as profundezas do mar, que lhes amputassem e queimassem os membros, que lhes furassem e arrancassem os olhos; a mutilação, enfim, de todo o corpo e, como se fosse pouco, a fome, as minas e as correntes, mostrando-se em tudo isto mais prontos a padecer pela religião do que a dar aos ídolos o culto devido a Deus.

14. E quanto às mulheres, não menos fortalecidas que os homens pelo ensinamento da doutrina divina, umas suportavam os mesmos combates que os homens e levaram os mesmos prêmios por sua virtude; outras, arrastadas para serem desonradas, preferiram entregar sua alma à morte antes que o corpo à desonra.

15. E certo que, de todas as que foram violadas pelo tirano, somente uma, cristã e das mais distintas e ilustres de Alexandria, conseguiu com sua firmeza mais que varonil vencer a alma apaixonada e dissoluta de Maximino. Mesmo sendo muito célebre por sua riqueza, sua linhagem e sua educação, tudo preteria a sua castidade. Maximino insistiu muito, mas não era capaz de matar a que já estava disposta a morrer, pois sua paixão era mais forte do que sua cólera. Condenou-a então ao desterro e confiscou toda sua propriedade.

16. E outras incomparáveis mulheres, não podendo nem escutar sequer ameaças de violação, suportaram por parte dos governadores de província todo tipo de tormentos, de torturas e de suplícios mortais.

Por isso também estas foram admiráveis. Mas a mais extraordinariamente admirável foi aquela mulher de Roma, a mais nobre em verdade e a mais casta de todas quantas o tirano dali, Maxêncio, tentara atropelar, imitando Maximino.

17. Efetivamente, assim que soube (também ela era cristã) que estavam em sua casa os que serviam ao tirano em tais empreitadas, e que seu marido, ainda que prefeito dos romanos, por medo havia permitido que a levassem com eles, pediu permissão por um momento com o pretexto de arrumar-se, e entrando em seu quarto, sozinha, ela mesma cravou-se uma espada e morreu instantaneamente. Aos que a levariam deixou seu cadáver, mas a todos os homens presentes e futuros mostrou com suas ótimas obras, mais sonoras que qualquer voz, que a única coisa invencível e indestrutível é a virtude dos cristãos.

18. Tal abundância de maldade acumulou-se, de fato, num mesmo tempo por obra dos dois tiranos que haviam recebido separadamente Oriente e Ocidente. E quem, procurando a causa de tantos males, poderia duvidar que foram produzidos pela perseguição a nós? Pelo menos este estado de confusão não cessou de modo algum até que os cristãos obtivessem a liberdade.

XV. Do acontecido aos de fora

1. O fato é que, durante todo o decênio que durou a perseguição, não deixaram de conspirar e fazer-se a guerra mutuamente. Os mares eram inavegáveis, e todos que desembarcavam de onde quer que fosse, não escapavam de ser submetidos a toda classe de maus-tratos: retorciam-nos sobre o potro e laceravam-lhes as costas, enquanto os interrogavam entre torturas de toda espécie se não procediam do lado inimigo; e por último submetiam-nos ao suplício da cruz ou do fogo.

2. Além disso, por toda parte fabricavam-se e se preparavam escudos e couraças, dardos, lanças e demais instrumentos de guerra, assim como trirremes e armas navais. Ninguém podia esperar cada dia outra coisa senão um ataque dos inimigos. E como se fosse pouco, também a fome e a peste subseqüentes se abateram sobre eles; mas disto contaremos o necessário a seu tempo.

XVI. Da mudança e melhora da situação

1. Esta era a situação ao longo da perseguição, que com a ajuda da graça de Deus, no décimo ano já estava terminada, ainda que de fato tenha começado a ceder depois do oitavo32. Efetivamente, assim que a graça divina e celestial começou a mostrar uma preocupação benévola e propícia para conosco, também nossos governantes, aqueles mesmos que nos haviam feito a guerra, mudaram milagrosamente de pensamento e cantaram a palinódia33, extinguindo mediante editos favoráveis e ordens cheias de suavidade a fogueira da perseguição, que havia alcançado tal amplidão.

2. Mas a causa desta mudança não foi algo próprio dos homens, nem como alguém poderia dizer, compaixão ou humanidade dos governantes, nem muito menos, já que eles mesmos eram os que cada dia, desde o começo até esse momento, imaginavam mais e piores suplícios contra nós, renovando constantemente, umas vezes de um modo e outras de outro, com diversas invenções, os maus-tratos que nos infligiam. Foi mais evidentemente uma visita da própria providência divina, que reconciliou o povo consigo, atacou o perpetrador de nossos males34 e descarregou sua ira sobre o líder da maldade e de toda a perseguição,

3. já que, ainda que isto houvesse de ocorrer por juízo de Deus, não obstante, a Escritura diz: Ai daquele por quem venha o escândalo! Alcançou-os, pois, um castigo divino que, começando por sua própria carne, avançou até sua alma.

4. Efetivamente, de repente saiu-lhe um abcesso em meio às partes secretas de seu corpo, e logo uma chaga fistulosa em profundidade. Sem possibilidade de cura, foram-lhe corroendo até o mais fundo das entranhas. Dali brotava um ninho de vermes e exalava um fedor mortal, já que a massa de suas carnes, produzida pela abundância de alimento e transformada já antes da enfermidade em uma quantidade excessiva de gordura, ao apodrecer então, oferecia o aspecto mais insuportável e espantoso aos que se aproximavam.

5. Dos médicos, uns, absolutamente incapazes de suportar a exagerada enormidade do fedor, eram degolados; outros, sem poder ajudá-lo em nada por estar inchada toda a massa e já não haver esperança de salvação, eram assassinados sem piedade.

XVII. Da palinódia dos soberanos

1. Lutando contra males tão grandes, deu-se conta das atrocidades que havia ousado cometer contra os adoradores de Deus e, em conseqüência, recolhendo em si seu pensamento, primeiramente confessou o Deus do universo e depois, chamando os de seu séquito, deu ordens para que, sem tardar um momento, fizessem cessar a perseguição contra os cristãos e que, mediante uma lei e um decreto imperiais, se dessem pressa em reconstruir suas igrejas e praticassem o culto de costume, oferecendo orações pelo imperador.

2. Imediatamente pois, as obras seguiram as palavras, e por todas as cidades se divulgou um edito que continha a palinódia do que foi feito conosco, nos seguintes termos:

3. "O Imperador César Galério Valério Maximiano, Augusto Invicto, Pontífice Máximo, Germânico Máximo, Egípcio Máximo, Tebeu Máximo, Sármata Máximo cinco vezes, Persa Máximo duas vezes, Carpo Máximo seis vezes, Armênio Máximo, Medo Máximo, Adiabeno Máximo, Tribuno da Plebe vinte vezes, Imperator dezenove vezes, Cônsul oito vezes, Pai da Pátria, Procônsul;

4. e o Imperador César Flávio Valério Constantino Augusto Pio Félix Invicto, Pontífice Máximo, Tribuno da Plebe, Imperator cinco vezes, Cônsul, Pai da Pátria, Procônsul;

5. e o Imperador César Valério Liciniano Licínio Augusto Pio Félix, Invicto, Pontífice Máximo, Tribuno da Plebe quatro vezes, Imperator três vezes, Cônsul, Pai da Pátria, Procônsul, aos habitantes de suas próprias províncias, saúde.

6. Entre as outras medidas que tomamos para utilidade e proveito do Estado, já anteriormente foi vontade nossa endereçar todas as coisas conforme as antigas leis e ordem pública dos romanos e prover para que também os cristãos, que tinham abandonado a seita de seus antepassados35, voltassem ao bom propósito.

7. Porque, devido a alguma razão especial, é tão grande a ambição que os retém e a loucura que os domina, que não seguem o que ensinaram os antigos, o mesmo que talvez seus próprios progenitores estabeleceram anteriormente, mas, segundo o próprio desígnio e a real vontade de cada um, fizeram leis para si mesmos, e guardam estas, tendo conseguido reunir multidões diversas em diversos lugares.

8. Por esta causa, quando a isto seguiu uma ordem nossa de que mudassem para o estabelecido pelos antigos, um grande número esteve sujeito a perigo, e outro grande número viu-se perturbado e sofreu toda classe de mortes.

9. Mas como a maioria persistisse na mesma loucura e víssemos que nem rendiam aos deuses celestes o culto devido nem atendiam ao dos cristãos, firmes em nossa benignidade e em nosso constante costume de outorgar perdão a todos os homens, críamos que era necessário estender também de boa vontade ao presente caso nossa indulgência, para que novamente haja cristãos e reparem os edifícios em que se reuniam, de tal maneira que não pratiquem nada contrário à ordem pública. Por meio de outra carta mostrarei aos juízes o que deverão observar.

10. Em conseqüência, em troca desta nossa indulgência, deverão rogar a seu Deus por nossa salvação, pela do Estado e por sua própria, com o fim de que, por todos os meios, o Estado se mantenha são e possam eles viver tranqüilos em seus próprios lares."

11. Este era o teor do edito escrito em língua latina e tradução dentro do possível para o grego. O que ocorreu depois disto, já é tempo de examiná-lo.

Apêndice ao livro VIII

1. Agora bem, o autor deste edito, depois de semelhante confissão, ficou imediatamente livre das dores, ainda que não por muito tempo, e morreu. Uma tradição diz que este foi o primeiro causador da calamidade da perseguição. Já de antigamente, antes que os demais imperadores se movessem, ele havia forçado a mudar de parecer os cristãos que estavam no exército e, é claro, começando pelos que estavam em sua casa. A uns tirou a dignidade militar, a outros vexou da maneira mais indigna e a outros inclusive ameaçou com a morte. Por último, induziu seus sócios imperiais à perseguição contra todos. Não ficaria bem que silenciássemos sobre o final que estes tiveram.

2. Foram, pois, quatro os que haviam repartido o governo supremo36. Os que pelo tempo e pelas honras tinham a precedência, quando ainda não haviam se cumprido dois anos do início da perseguição, retiraram-se do comando, como já explicamos acima. E depois de passar o resto de suas vidas como simples pessoas privadas, tivera o seguinte fim:

3. O que pelas honras e pela idade ocupava o primeiro lugar, acabou minado por uma longa e penosa enfermidade física; e o que depois dele ocupava o segundo posto, truncou sua vida enforcando-se; e isto sofreu, segundo divina profecia, por causa dos numerosíssimos crimes que havia cometido.

4. E dos que seguiam a estes, o último, de quem já dissemos que foi efetivamente o causador da perseguição, padeceu males tão grandes como os já mencionados anteriormente. Por outro lado, o que precedia a este, a saber, o mui benigno e suavíssimo imperador Constâncio, que passou todo o tempo de seu governo de uma maneira digna do principado e que, em tudo o mais, mostrou-se o mais favorável e o mais benfeitor para com todos, depois de manter-se à margem da guerra contra nós, recebeu em troca um final de vida realmente feliz e triplamente abençoado, pois foi o único a morrer feliz e gloriosamente no exercício de seu cargo imperial e deixando como sucessor nele seu filho legítimo, em tudo prudentíssimo e muito religioso.

5. Este foi imediatamente proclamado pelas legiões imperador perfeitíssimo e augusto, e constituiu-se em imitador da piedade paterna para com nossa doutrina. Assim foi a morte dos quatro supracitados ocorrida em tempos diferentes.

Destes, o único que ainda vivia, o mencionado um pouco mais acima, junto com os que depois disto foram introduzidos no governo, fez pública ante todos a confissão acima mencionada, mediante o edito que já expusemos antes.


Notas

1. Isto é, a grande perseguição, executada por Diocleciano.

2. Por recurso retórico Eusébio exagera a boa vontade dos imperadores, esquece o que antes disse sobre Aureliano e seus predecessores. Depois da morte de Aureliano a Igreja tinha paz, mas nada mais.

3. Lm 2:1-2.

4. Sl 88 (89):40-46. Nos sete primeiros livros este salmo sempre prediz a destruição de Jerusalém, o juízo sobre os judeus; neste é aplicado à perseguição, juízo divino sobre os cristãos.

5. Sl 106(107):40.

6. Do ano de 303. A perseguição começou em 23 de fevereiro, mas o edito só foi exposto ao público no dia seguinte. Eusébio atém-se à Palestina, onde a perseguição chega em finais de março.

7. Perda inclusive do direito de cidadania.

8. Eusébio começa a descrever a perseguição sem dar-nos alguma razão para esta mudança na política de Diocleciano, antes tão favorável.

9. Entre 7 de junho e 17 de novembro de 303, depois da promulgação do terceiro edito.

10. Refere-se ao demônio, autor primeiro da perseguição.

11. Não se conseguiu nunca identificá-lo.

12. Augusto Diocleciano e César Galério.

13. Os demais servidores imperiais companheiros de Pedro.

14. São na realidade o segundo e terceiro editos, do segundo semestre de 303.

15. Refere-se aos pagãos.

16. Fp 2:6-8.

17. 1 Co 12:31.

18. 1 Jo 4:18.

19. O texto não se explica e resulta francamente sem sentido.

20. Novamente o texto fica obscuro.

21. Cuidados pelos próprios perseguidores, já que "ninguém deve morrer em conseqüência da tortura".

22. Isto supõe já promulgado o quarto edito, em 304.

23. Ex 22:20.

24. Ex 20:3.

25. O edito de tolerância de Galerio. Aparentemente Eusébio pretendia com isto terminar sua obra.

26. Ou seja, Diocleciano.

27. Diocleciano obrigou Maximiano Hercúleo, o segundo augusto, a abdicar junto com ele em primeiro de maio de 305. Sucederam-nos com o título de augustos os césares Galerio e Constâncio Cloro, e foram nomeados césares Severo e Maximino Daza.

28. Praticamente Constâncio Cloro e Severo ficaram com todo o Ocidente, Galerio e Maximino Daza se apropriaram do Oriente.

29. Primeiro entre os tetrarcas.

30. Também traduzido como Magnêncio ou Magêncio.

31. A maior parte das referências a Maxêncio provém de autores da propaganda de Constantino, não sendo portanto isentas. Maxêncio efetivamente parou a perseguição contra os cristãos e inclusive construiu uma basílica, que Constantino veio a renomear com seu próprio nome.

32. Com o edito de tolerância de 311.

33. Eusébio deve referir-se apenas a Galério e Maximino, a frase não se aplica a Constantino e Licínio.

34. Galério.

35. O paganismo, ou melhor, a religião do Império.

36. Diocleciano e Maximiano como augustos; Galério e Constâncio Cloro como césares.

História EclesiásticaHistória Eclesiástica, Eusébio de Cesaréia, livro 8, editora Novo Século, páginas 175 a 190".

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