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Simplicidade e clareza das Escrituras

Escrito por  Grant R. Osborne

Clareza das Escrituras

Desde os últimos anos do período patrístico com sua regula fidei (“regra de fé”), a igreja tem lutado com a “perspicuidade (ou clareza) das Escrituras”, ou seja, se elas estão realmente ao alcance da compreensão humana. Não é à toa que os estudiosos da Bíblia são sempre acusados de tirar do leitor comum o acesso às Escrituras. Depois que um texto é dissecado e submetido a uma legião de teorias acadêmicas, o não especialista exclama com tristeza: “Tudo bem, mas o que isso tem a ver comigo? Eu consigo estudar esse texto?”. Com toda certeza, a própria consciência da multidão de opções de interpretação de passagens bíblicas é o grande choque que atinge os calouros de seminários e faculdades. Fica até difícil culpar uma pessoa se, depois de olhar para a profusão de possíveis interpretações sobre praticamente todas as declarações bíblicas, ela deixar de afirmar o princípio de que é fácil compreender as Escrituras! Isso, porém, é confundir os princípios da hermenêutica com a mensagem do evangelho em si. O que é complexo é o exercício de transpor o abismo entre a situação original e os nossos dias, não o significado que resulta disto.

Lutero (em A escravidão da vontade) proclamou a clareza básica das Escrituras em duas áreas: clareza externa, que ele chamou de aspecto gramatical, obtida pela aplicação das leis da gramática (princípios hermenêuticos) ao texto; e a clareza interna, que ele chamou de aspecto espiritual, obtida quando o Espírito Santo ilumina o leitor no ato da interpretação. Ao falar de clareza, é óbvio que Lutero se referia ao produto final (a mensagem do evangelho) e não ao processo (a recuperação do significado de textos específicos). Porém, no século passado, a aplicação da teoria do realismo do senso comum da Escola Escocesa às Escrituras levou muitos a admitir que qualquer um poderia entender sozinho a Bíblia, e que a superfície do texto por si só é suficiente para produzir significado. Portanto, a necessidade de princípios hermenêuticos para transpor o abismo cultural foi desprezada, e as interpretações individuais se multiplicaram. Por alguma razão, ninguém percebeu que isso dava margens a significados múltiplos e, de vez em quando, em heresias. O princípio da perspicuidade foi estendido também ao processo hermenêutico, o que causou equívocos na interpretação popular das Escrituras e uma situação que ainda hoje é bem complicada. Como disciplina, a hermenêutica exige um processo de interpretação complexo, para que se traga à tona a clareza original da Bíblia. Assim, mais uma vez, o resultado fica claro, mas o processo, não; isso também deveria orientar os sermões!

Assim, todas essas coisas são muito confusas, e a pessoa comum tem todo o direito de perguntar se a compreensão da Bíblia é algo que cada vez mais está ficando reservado para a elite acadêmica. Eu diria que não. Em primeiro lugar, há diferentes níveis de compreensão: devocional, estudo bíblico básico, homilético, dissertações e teses. Cada nível tem seu valor e seu processo. Além disso, qualquer pessoa tem o direito de aprender os princípios hermenêuticos que se aplicam a esses vários níveis. Basta querer. Eles não estão reservados a “elite” alguma, mas à disposição de quem tiver interesse e vontade de aprendê-los. Os fundamentos da hermenêutica podem e devem ser ensinados no contexto da igreja local. Ao longo deste livro, espero poder tratar dos vários níveis de compreensão.

A Espiral HermenêuticaOSBORNE, Grant R., A Espiral Hermenêutica, uma nova abordagem à interpretação bíblica, Ed. Vida Nova, págs. 32 a 34.

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