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O desenvolvimento humano de Jesus

Escrito por  B. B. Warfield
Menino Jesus no templo

É na distinção de Lucas entre os evangelistas que recebemos uma narrativa, fundada, como ele nos diz, em uma investigação que “traçou o curso de todas as coisas acuradamente desde o princípio” (Lucas 1:3). Nós notamos a exatidão cuidadosa com que ele relata a atuação dos pais de nosso Senhor em “todas as coisas que eram de acordo com a lei do Senhor” - a circuncisão de seu maravilhoso filho, “quando oito dias foram cumpridos para circuncidá-lo” (Lucas 2:21); sua apresentação no Templo, “quando os dias de sua purificação de acordo com a lei de Moisés foram cumpridos” (Lucas 2:22); a visita anual a Jerusalém na festa da Páscoa (2:41); e outros. Também pertence, sem dúvida, a este escrupuloso (acriby) método de Lucas – se pudermos usar uma forma ainda mais inglesa que a palavra “acribia” reconhecida pelo Dicionário Padrão – que ele demarca para nós com cuidadosa precisão, os estágios do crescimento da criança. Ele de fato não distingue todos os oito stadia de desenvolvimento pelos quais a doce domesticidade da linguagem hebraica provê distintas designações. Mas com alguma astúcia ele traz Jesus perante nós sucessivamente como um “menino” (Lucas 2:16, 40, 43) em seu progresso ao estado adulto, e tudo isto dentro do domínio de um simples capítulo. O segundo capítulo de Lucas pode ser de forma justa considerado como uma história expressa do desenvolvimento do homem, Cristo Jesus; e ele expõe no que quase chega ao direto clamor de ser assim, por formalmente resumir em dois compreensivos versos seu inteiro crescimento da infância à adolescência e da adolescência à idade adulta, “E a criança cresceu”, nós lemos, “e se fortalecia, se tornando (mais e mais) cheio de sabedoria, e a graça de Deus estava com ele” (v. 40). “E Jesus avançava em sabedoria e estatura, e em graça diante de Deus e dos homens” (v. 52).

Pareceria absurdo questionar que aqui está atribuído a Jesus o que poderia no completo sentido da palavra ser chamado de um desenvolvimento humano normal. A linguagem é carregada, de fato, com sugestões que esta era uma criança extraordinária: cujo crescimento nós estamos testemunhando, e seu desenvolvimento era um desenvolvimento extraordinário. Atenção é chamada também para seu progresso físico, intelectual e moral ou espiritual; e da mesma forma parece ser implícito que seu avanço era sólido, contínuo, rápido e destacável. Aqueles que olhavam para ele no berço veriam que, mesmo além do bebê Moisés de tempos antigos, este era um “menino formoso” (Hb 11:23), e dia após dia ele crescia e se fortalecia, e enquanto ele crescia em estatura, ele avançava também em sabedoria. Não somente em conhecimento, mas naquela habilidade instintiva na prática do uso do conhecimento, aquele discernimento moral e espiritual, que nós chamamos de sabedoria.

“E a graça de Deus estava nele”, e ele avança com passos iguais “em favor com Deus”. Enquanto crescia, “se tornando mais e mais cheio de sabedoria”, ele se tornou mais e mais cheio de graça também. Não somente o homem, mas Deus observava o desenvolvimento de seu poder e caráter com cada vez mais favor. O formoso menino se tornou um formoso jovem, e o formoso jovem se tornou um bom homem. Com cada aumento de estatura e força havia o acompanhamento crescente de sabedoria; e com cara aumento de sabedoria havia o acompanhamento crescente em poder moral e espiritual. Em uma palavra, Jesus cresceu tão continuamente e rapidamente em caráter e em santidade assim como ele cresceu em estatura. A promessa da formosa criança se transformou sem choque e sem interrupção nos frutos da perfeita humanidade; e aqueles que viam o bebê com admiração não poderiam deixar de ver o jovem com maravilha (Lucas 2:47) e (pois “ele avançava em favor com os homens”) o homem com reverência. Este não é, então, um desenvolvimento humano comum que Lucas descreve para nós aqui mas é nada menos – diria entretanto, tudo o mais – que um desenvolvimento humano normal, o único desenvolvimento humano estritamente normal, do nascimento à idade adulta, que o mundo jamais viu. Pois esta criança é a única criança que alguma vez entrou no mundo sem a herança fatal do pecado e a única criança que alguma vez cresceu até a idade adulta sem ter seus passos e discursos desfigurados em cada passo pelas destrutivas influências do pecado e erro.

Nós podemos bem considerar isto um dos ganhos que nós derivamos do retrato que Lucas pinta para nós do crescimento de Jesus da infância à idade adulta, que assim nós recebemos a visão de um desenvolvimento humano normal. Isto é como os homens deveriam crescer; como, se homens não fossem pecadores, os homens cresceriam. É algo grande para o mundo ter visto alguém em tal situação. Como exemplo, pode parecer de fato algo muito alto para nós; nossas asas foram cortadas e nós sentimos que nós não podemos voar até estas regiões elevadas do fazer e viver. Mas, como um ideal realizado em vida, isto deve ficar sempre perante nós como um incitamento e inspiração. Quando nós observamos este desenvolvimento humano perfeito de Jesus, se lançando para a perfeita vida do homem, nós discernimos nela um modelo para cada idade e para cada condição do homem de um bem inestimável poder sedutor “Ele veio para salvar tudo por meio de si mesmo”, diz Ireneu – “tudo, eu digo, que através dele é nascido novamente em Deus – bebês, e crianças e garotos e jovens e homens velhos. Ele então passou por todas as idades, se tornando um bebê para os bebês, assim santificando os bebês; uma criança para crianças, assim santificando aqueles desta idade, sendo ao mesmo tempo feito para eles um exemplo de piedade, justiça e submissão; um jovem para os jovens, se tornando um exemplo para jovens e assim santificando eles pelo Senhor”.

O mais fundamental ganho que temos, contudo, da figura de Lucas do desenvolvimento humano de Jesus é a garantia que ela dá para nós da verdade e realidade da humanidade de nosso Senhor. É, de fato, o que Ireneu tem em mente na passagem que nós temos citado dele. As palavras que imediatamente precedem aquelas são: “Ele não parece uma coisa enquanto ele era outra, como aqueles afirmam, os que o descrevem como sendo um homem apenas em aparência; mas o que ele era ele também parecia ser. Sendo um Mestre, então, ele também possuía a idade de um Mestre, não desprezando ou evitando qualquer condição da humanidade, nem deixando de lado em si mesmo aquela lei que ele apontou para a raça humana, mas santificando cada idade pela idade que correspondia àquela que ele mesmo teve”. Pareceria impossível ler a linguagem de Lucas e duvidar da real humanidade da criança cujo avanço à idade adulta ele está descrevendo – avanço junto com cada elemento de seu ser – físico, intelectual e espiritual – igualmente. E esta atribuição de uma completa e real humanidade a Jesus é continuada através de toda a narrativa do evangelho, e isto em todos os Evangelhos igualmente. Em todo lugar o homem Cristo Jesus é mantido perante nossos olhos, e cada característica que pertence à completa e perfeita humanidade é exibida em sua vida como dramatizada na história do evangelho. Todas as limitações da humanidade, então, permaneciam suas por toda a parte. Alguém inexperiente na leitura da narrativa do evangelho certamente irá falhar em entender a atitude daqueles, que nos é dito existir, que por exemplo, “admitem seu crescimento em conhecimento durante a infância”, “mas negam intoleravelmente a hipótese de uma limitação de seu conhecimento durante seu ministério”. Certamente Jesus mesmo nos tem dito que ele desconhecia o tempo do dia do julgamento (Marcos 13:32); ele repetidamente é representado como buscando conhecimento através de perguntas, que indubitavelmente não foram apenas perguntadas para dar uma aparência de dependência de informação que não estava realmente com ele: ele se surpreende; e julga novas circunstâncias; e coisas parecidas. Não há traços humanos faltando na figura desenhada dele: ele estava aberto à tentação; ele estava consciente da dependência de Deus; ele era um homem de oração; ele conhecia um “desejo” nele que poderia de modo concebível se opor ao desejo de Deus; ele exerceu fé; ele aprendeu obediência pelas coisas que ele sofreu. Não foi meramente a mente de um homem que estava nele, mas o coração de um homem também, e o espírito de um homem. Em uma palavra, ele era tudo que um homem – um homem sem erro e pecado – é, e deve se conceber ter crescer, como é próprio para um homem crescer, não somente durante sua juventude, mas continuamente através da vida, não somente em conhecimento, mas em sabedoria, e não somente em sabedoria, mas “em reverência e caridade” – em força moral e em beleza de santidade igualmente. De fato, nós achamos insuficiente dizer, como o escritor que acabamos de citar diz, São Lucas não coloca limites à declaração que ele crescia em sabedoria; e parece, então, ser permitido acreditar “que isto continuou até o grande 'está consumado' na cruz”. É claro; e mesmo além daquele “está consumado”: e isto não somente em referência à sua sabedoria, mas também com referência a todos os traços de sua abençoada humanidade. Pois Cristo, justamente porque ele é o Cristo ressurreto, é homem e verdadeiro homem – tudo que o homem é, com tudo que é envolvido em ser homem – através de todas as idades e para a eternidade das eternidades.

Nós não devemos temer, então, que nós possamos enfatizar demais a verdadeira, a completa humanidade de Cristo. É um ganho e nada senão um ganho, que nós percebamos isto com uma agudeza que possa suportar o termo de ferino. Tudo que o homem como homem é, isto Cristo é para a eternidade. A teologia Reformada que é felicidade nossa de herdar, nunca hesitou de encarar o fato e se jubilar nele, com todas as suas implicações. Com respeito ao conhecimento, por exemplo, não evitou reconhecer que Cristo, como homem, tem um conhecimento limitado e deve continuar tendo um conhecimento limitado para sempre. A natureza humana é sempre finita, ela declara, e não é mais capaz de infinita charismata, que de infinita idiomata ou atributos da natureza divina; assim que é certo que o conhecimento da natureza humana de Cristo não é e não pode ser nunca a infinita sabedoria do próprio Deus. A Teologia Reformada não tem reservas, então, em confessar as limitações do conhecimento de Cristo como homem, e não tem temor de declarar a perfeição e completude de sua humanidade. Nenhum perigo pode possivelmente se levantar, é claro, de nossa aceitação do significado completo que pode ser dado a eles nos relatos do desenvolvimento de nosso Senhor que Lucas nos dá, e da descrição de seus traços humanos providos para nós por todos os evangelistas. É, como temos dito, ganho e nada senão ganho, perceber em toda sua completude que nosso Senhor era homem assim como nós somos homens, feito “em todas as coisas igual a seus irmãos” (Hb 2:17).

Onde perigo e o mau entram, é quando, com o propósito de entender a plenitude da humanidade de Jesus, nós começamos a atenuar, [diminuir] ou colocar fora de vista, ou mesmo talvez deixar de reconhecer sua deidade. Pois apesar das Escrituras representarem Cristo como tudo que o homem é, e atribuírem a ele tudo que é predicável à humanidade, elas estão longe de representá-lo como somente o que o homem é, e como possuindo nada que não pode, de um jeito ou de outro, ser predicado da humanidade. Ao lado destas claras declarações e ricas indicações de sua verdadeira e completa humanidade, corre ali uma igualmente impregnante atribuição a ele de tudo que pertence à deidade. Se por exemplo, ele é representado como não sabendo este ou aquele fato (Marcos 13:32), ele é igualmente representado sabendo todas as coisas (João 21:17; 16:30). Se ele é representado como adquirindo informação, fazendo perguntas e expressando surpresa, ele é igualmente representado como sabendo sem informação humana tudo o que acontece ou aconteceu – a oração secreta de Natanael (João 1:47), toda a vida da mulher samaritana (João 4:29), os próprios pensamentos de seus inimigos (Mateus 9:4), tudo que está no homem (João 2:25). Nem estas duas classes de fatos são mantidos separados; eles são pelo contrário interlaçados da forma mais maravilhosa. Se é por informantes humanos que ele é informado da doença de Lázaro (João 11:3,6), é através de nenhuma informação humana que ele sabe que ele está morto (João 11:11,14); se ele pergunta “Onde vós o pusestes?” e chorou com a irmã aflita, ele sabe do princípio (João 11:11) o que seu poder deveria cumprir para o alívio desta dor. Em todo lugar, com uma palavra, nós vemos uma vida dupla revelada perante nós na dramatização dos atos de Jesus entre os homens; não, de fato, no sentido de que ele é representado como agindo inconsistentemente, ou é inconsistentemente representado como agindo agora em uma ordem e agora em outra; porém no sentido de que uma vida dupla é atribuída a ele como uma possessão constante. Se tudo que o homem é, é atribuído a ele, não menos tudo que Deus é, é atribuído a ele, e uma atribuição não é mais penetrante que outra. Com referência à seu conhecimento, por exemplo – um tema que tem sido muito discutido hoje em dia – nós não achamos que qualquer leitor simples dos Evangelhos vá hesitar em estabelecer seu selo na seguinte representação, retirada de um recente escritor alemão, cuja própria solução do problema do conhecimento duplo de Cristo é, contudo, distante da própria Bíblia:

“As Escrituras pressupõe a omnisciência do Filho como auto evidente. Se Jesus chama a si mesmo de a Verdade, ele deve primeiro saber de todas as coisas, antes que ele possa dizer isto; se ele é a Luz, ele não deve somente ver todas as coisas mas ele deve ver todas as coisas somente em sua luz (Sl 36:9); e em ordem, se ele se chama de a vida, nenhum homem pode respirar e nenhum anjo pode pensar sem seu viver neles, e assim preenchendo e conhecendo todo céu e terra, de forma que nele estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento, e sem ele não há saber. Como, então, seus discípulos já em sua vida (João 16:30), como também Pedro depois de sua ressurreição (João 21:17), diz “Tu sabes todas as coisas” – assim nós corretamente concluímos de seu Ser divino também seu divino conhecimento, e que ele tem conhecido todas as coisas mesmo como homem – já como criança – sim, no útero – e então, todos os tempos”.

Que esta unida humanidade e deidade, dentro dos limites de uma única personalidade, apresenta sérios problemas para o intelecto humano, em sua tentativa de compreendê-lo, em si mesmo ou em suas atividades, continua sem comentários. Poucos se admiram de que muitos erros foram cometidos no esforço necessário que os homens fizeram justamente para concebê-lo. O curto e fácil método de lidar com ele é se agarrar firmemente a uma série de representações e simplesmente negligenciar ou abertamente descartar a outra. Este tem sido o procedimento em todas as eras daqueles que de bom grado veriam em Jesus somente um Messias humano; e é uma armadilha na qual nós facilmente tropeçamos se não mantivermos cuidadosamente em mente toda a série dupla de representações a respeito dele. Em nossa vívida realização da completa humanidade atribuída a ele, é amargurosamente fácil esquecer a igualmente completa deidade atribuída a ele. Outros buscam diminuir aos poucos ambas séries de representações até, a partir dos fragmentos que sobram, eles possam ser bem sucedidos em juntar para eles o retrato de algum ser mediano – nem homem nem Deus – que eles chamam de Jesus. Assim violência é feita a ambas as séries de representações igualmente: e o resultado é uma justa reprodução de nenhuma simples declaração da Bíblia. Outros ainda buscariam distinguir entre a natureza essencial de Jesus e suas manifestações terrenas; ou mesmo entre os dois tipos de conhecimento nele, intuitivo e experimental, na esperança de assim encontrar uma chave para destrancar o enigma. Tudo igualmente em vão; os fatos Bíblicos requerem que nós reconheçamos na constante possessão e uso do Deus-homem uma série dupla de qualidades – uma essencialmente divina e outra essencialmente humana; e ao fazer isto, eles impõe a nós o reconhecimento nele de duas naturezas – de forma que ele é perfeito em sua deidade e perfeito em sua humanidade – subsistindo em uma pessoa, sem conversão, sem confusão, eternamente e inseparavelmente.

Nestas palavras são enunciadas, dificilmente precisa ser dito, a doutrina da Pessoa de Cristo que tem sido desde o Concílio de Calcedônia (feito em D.C. 451) a herança comum das Igrejas Cristãs. Não chegou facilmente ou sem longo e penetrante estudo do material das Escrituras, e longa e rígida controvérsia entre as conflitantes construções. Toda outra solução foi testada e descobriu-se ser falha; nesta solução a Igreja encontrou finalmente descanso, e nela ela descansou até nossos próprios dias. Nela somente, não é muito dizer, pode as variadas representações da Bíblia encontrar justiça completa, e todo ajuste harmonioso. Se isto é verdade, então tudo que é verdade para Deus pode ser atribuído a Cristo, e igualmente tudo que é verdade para o homem. Um relato completo é tomado para todos os fenômenos; violência não é feita para nenhum. Se isto não é verdade, é seguro dizer que o enigma continua insolúvel. Sem dúvida é difícil conceber as duas completas e perfeitas naturezas unidas em uma pessoa; mas uma vez que são concebidas, tudo que as Escrituras dizem de Jesus seguem naturalmente. Aquele no qual habita tanto a infinita quanto a finita mente, ambas em todo momento do tempo sabendo todas as coisas e através de todo o tempo avançando em conhecimento. Há mistério suficiente ligado à concepção; mas é o simples e puro mistério da Encarnação – sem o qual uma real Encarnação não seria concebível. A glória da Encarnação é é o que isto apresenta para nossa contemplação de adoração, não um Deus humanizado ou um homem deificado, mas um verdadeiro Deus-homem – um que é tudo que Deus é e ao mesmo tempo tudo que o homem é: em cujo todo-poderoso braço nós podemos descansar, e a cuja simpatia humana nós podemos apelar. Não podemos nos permitir a perder tanto o Deus no homem ou o homem em Deus; nossos corações clamam pelo completo Deus-homem que as Escrituras nos oferecem. Poderia ser muito dizer que é porque ele é homem que ele é capaz de crescimento em sabedoria, e porque ele é Deus que ele é do princípio a própria Sabedoria. É mais falar que porque ele é homem ele é capaz de derramar seu sangue, e porque ele é Deus seu sangue é de infinito valor para salvar; e que é somente porque ele é tanto Deus e Homem em uma pessoa, que nós podemos falar de Deus comprando sua Igreja com seu próprio sangue (Atos 20:28).

E a menos que Deus tivesse comprado sua Igreja com seu próprio sangue, no que sua Igreja deveria encontrar uma base para sua fé?

Escaneado e editado por Michael Bremmer

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