O propósito principal deste artigo não é usar o termo "fariseu" no seu sentido popular, estigmatizado e pejorativo, mas procurar ter uma idéia histórica de quem eram realmente os fariseus com quem Jesus conviveu, e quais teriam sido os seus possíveis erros e acertos.
Para tanto, proponho dois textos para leitura. O primeiro é de Philip Yancey, em "O Jesus Que Eu Nunca Conheci", Ed. Vida, 2001, págs. 64/67, comentando sobre as diferentes facções religiosas entre os judeus do século I.
"Os essênios eram os mais separados de todos. Pacifistas, não resistiam ativamente a Herodes ou aos romanos, mas antes retiravam-se para comunidades monacais nas cavernas de um deserto estéril. Convencidos de que a invasão romana viera como castigo por seu fracasso em guardar a Lei, dedicavam-se à pureza. Os essênios tomavam banhos rituais todos os dias, mantinham uma dieta restrita, não defecavam no sábado, não usavam jóias, não juravam e tinham todos os bens materiais em comum. Esperavam que a sua fidelidade incentivasse o advento do Messias.
Os zelotes, representantes de uma estratégia diferente de separativismo, advogavam a revolta armada para expulsar os estrangeiros impuros. Um ramo dos zelotes especializava-se em atos de terrorismo político contra os romanos, enquanto outro operava como uma espécie de "polícia moral" para manter os judeus na linha. Em uma primeira versão de purificação étnica, os zelotes declaravam que qualquer pessoa que se casasse com um indivíduo de outra raça seria linchado. Durante os anos do ministério de Jesus, observadores certamente notaram que em seu grupo de discípulos estava Simão, o Zelote. Por outro lado, os contatos sociais de Jesus com os gentios e com os estrangeiros, sem mencionar parábolas como a do bom samaritano, deveriam ter levado à fúria os zelotes extremados.
No outro extremo, os colaboracionistas tentavam operar dentro do sistema. Os romanos garantiram autoridade limitada a um concílio judeu chamado Sinédrio, e em troca de privilégios este cooperava com os romanos em repelir qualquer sinal de insurreição. Era do seu maior interesse prevenir os levantes e as duras represálias que certamente trariam.
O historiador Josefo conta de um camponês doente mental que gritava "Ai de Jerusalém!" no meio dos festivais populares, agitando as multidões. O Sinédrio tentou puni-lo, sem resultado, por isso o entregaram ao governo romano para que fosse devidamente açoitado. Ele foi descascado até os ossos, e a paz foi restaurada. Com o mesmo intuito, o Sinédrio enviou representantes para examinar João Batista e Jesus. Será que representavam uma verdadeira ameaça à paz? Nesse caso, deveriam ser enviados aos romanos? Caifás, o sumo sacerdote, captou perfeitamente a visão dos colaboracionistas: "Convém que um só homem morra pelo povo, e que não pereça toda a nação".
Os saduceus eram os colaboracionistas mais espalhafatosos. Foram antes helenizados sob os gregos, e depois cooperaram com os macabeus, com os romanos e agora com Herodes. Humanistas na teologia, os saduceus não criam na vida após a morte nem na intervenção divina aqui na terra. O que acontece, acontece, e, considerando-se que não há sistema futuro de recompensa e de castigo, uma pessoa poderia muito bem desfrutar do tempo limitado na terra. Pelos palácios e utensílios de prata e de ouro de suas cozinhas, que os arqueólogos descobriram, parece que os saduceus desfrutaram da vida realmente muito bem. De todos os partidos da Palestina, os mandarins saduceus eram os que mais tinham a perder diante de qualquer ameaça ao status quo.
Os fariseus, partido popular da classe média, muitas vezes se encontravam em cima do muro, vacilando entre o separatismo e o colaboracionismo. Mantinham altos padrões de pureza, sobretudo em questões como a guarda do sábado, a pureza ritual e o tempo exato dos dias festivos. Tratavam os judeus que não agiam assim como "gentios", excluindo-os dos concílios locais, boicotando seus negócios e banindo-os dos banquetes e dos acontecimentos sociais. Mas os fariseus já haviam sofrido o seu quinhão de perseguição: uma vez oitocentos fariseus foram crucificados em um só dia. Embora cressem apaixonadamente no Messias, hesitavam em seguir muito depressa a qualquer impostor ou operador de milagres que pudesse atrair desgraça para a nação.
Os fariseus escolhiam suas batalhas com cuidado, pondo a vida em perigo apenas quando necessário. Uma vez, Pôncio Pilatos desprezou um acordo com os judeus para as tropas romanas não entrarem em Jerusalém carregando estandartes que trouxessem uma imagem ("ícone") do imperador. Os fariseus consideravam isso um ato de idolatria. Em protesto, uma multidão de judeus, na maioria fariseus, cercou o palácio de Pilatos por cinco dias e cinco noites em uma espécie de greve branca, chorando e implorando que mudase. Pilatos ordenou que fossem ao hipódromo, onde os soldados estavam à espreita, e ameaçou condenar à morte todo aquele que não parasse de implorar. Todos de uma vez, caíram com o rosto em terra, desnudaram os pescoços e anunciaram que estavam preparados para morrer a fim de não ver suas leis transgredidas. Pilatos voltou atrás.
Justo L. González, em seu livro "Uma História do Pensamento Cristão", Ed. Cultura Cristã, 2004, págs. 33/35, diz o seguinte a respeito dos fariseus:
Devemos parar para fazer justiça aos fariseus, tão mal interpretados nos tempos posteriores. O fato é que o Novo Testamento os ataca, não porque eles eram piores do que os outros judeus, mas porque eles eram os melhores - a mais alta expressão da potencialidade humana diante e Deus. Ao vê-los atacados no Novo Testamento, inclinamo-nos a considerá-los simplesmente um grupo do pior tipo de hipócritas, mas aqui erramos em nossa interpretação, não apenas do farisaísmo, mas também do próprio Novo Testamento.
Ao contrário do que freqüentemente imaginamos, os fariseus enfatizavam a importância de uma religião pessoal. Por esta razão, os judeus mais conservadores os acusavam de serem inovadores que atenuavam o jugo da Lei. Numa época em que a vitalidade da adoração no Templo estava em declínio, os fariseus esforçaram-se para interpretar a Lei de tal modo que ela pudesse servir como um guia cotidiano para a religião do povo. Naturalmente, isto os levou ao legalismo que fez deles objeto de tanta crítica e também foi a causa básica de sua oposição aos saduceus. Mas é necessário salientar que os fariseus não eram "legalistas" no sentido de que eles exigiam obediência cega e de má vontade à lei moral e aos preceitos rituais - halakah - pois uma grande parte daquilo que nos restou de sua literatura é devocional, homilética e denota um esforço humano de trazer à tona obediência voluntária à vontade de Deus - haggada.
Os saduceus eram os judeus conservadores do século 1º. Eles aceitavam apenas a Lei escrita como sua autoridade religiosa, não a lei oral que tinha sido desenvolvida da tradição judaica. Deste modo, eles negavam a ressurreição, a vida futura, a complicada angelologia e demonologia do Judaísmo mais recente, e a doutrina da predestinação. Nisso eles se opounham aos fariseus, que aceitavam todas essas coisas; e por essa razão o Talmude lhes chama - ainda que de forma um tanto inexata - "epicuristas". A religião dos saduceus se centrava no Templo e em seus ritos, e não na sinagoga e em seus ensinos. Assim, não é surpreendente o fato dos saduceus desaparecerem logo depois da destruição do Templo, enquanto que os fariseus quase não foram afetados por este evento.
Em contraste com os saduceus, os fariseus se propuseram a tornar a religião uma parte da vida íntima diária. Como os saduceus, sua religião centrava-se na Lei, ainda que para os fariseus "Lei" não fosse apenas a Lei escrita, mas também a oral. Esse legado oral, transmitido ao longo dos séculos de tradição e interpretação, servia para aplicar a Lei escrita às situações concretas da vida diária, mas também serviu para introduzir inovações dentro da religião de Israel. É por isso que os saduceus, conservadores por natureza, rejeitavam todo possível uso da Lei oral, enquanto que os fariseus - conjugando esforço com os escribas - apressavam-se em defendê-la.
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