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O Nome de Deus

Escrito por  Nilton Bonder
Tetragrama

O Êxodo, por sua vez, relata a história de Moisés e da saída do Egito e intitula-se Shemot (nomes) em hebraico. Tal título deriva da segunda palavra contida em seu texto e que se inicia com “Estes (são os) nomes”. O título captura o sentido literal de Êxodo que se inicia listando os nomes das famílias descendentes de Jacob e que saíram da escravidão do Egito. Em um sentido mais simbólico, porém, este é o livro no qual o Nome de Deus será apresentado.

Por nome devemos compreender a essência, algo que expresse a individualidade daquilo que nomeamos. O Êxodo é basicamente um livro que explicita, ou melhor, revela o Nome deste Deus que os patriarcas e matriarcas conheceram em sua realidade, mas que não sabiam nomear. Não sabê-lo denota um convívio sem compreensão ou uma dimensão intuitiva carente de consciência acerca de Sua essência. Muito provavelmente Abraão compreende este Deus como o Deus do futuro. Um Deus preocupado em lhe prover família e descendência.

O Deus que se revela a Moisés faz questão de nomes. É Moisés, porém, que primeiro se mostra interessado pela natureza de Deus ao perguntar seu nome diante da sarça ardente. E Deus não lhe furta uma resposta como furtara anteriormente a Jacob:


E disse Moisés a Deus: “Eis que quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser “o Deus de vossos pais enviou-me a vós”, e dirão para mim: “Qual o seu nome?” – Que direi a eles? “ E disse Deus a Moisés: “Serei o que Serei.” E disse: Assim dirás aos filhos de Israel. Serei enviou-me a vós.”

Esta é a primeira referência que Deus faz a seu nome como uma essência expressa pelo tempo. “Serei O Que Serei” contém identidade porque aparece na primeira pessoa e contém temporalidade. Aparentemente é um tempo futuro, mas é mais do que um tempo futuro. Para isto teria bastado chamar-se de “Ehie” – Serei. Há um esforço lingüístico por determinar um verbo num tempo novo. É deste tempo que Deus deseja falar como forma de se fazer compreendido por sua criatura.

Que tempo é este? E por que Deus se definiria como uma expressão no tempo? E por que Deus se definiria como uma expressão no tempo?

Essa parece ser a grande revelação de Êxodo, uma revelação que ousa abordar a questão da própria essência do Criador.

A centralidade da questão do Nome em Êxodo reaparece em outra passagem em que Deus tenta esclarecer Moisés acerca de sua “natureza”.

“E falou Deus a Moisés e disse-lhe: Eu sou YHWH. E apareci a Abraão, a Isaque e a Jacó como Shadai; mas por meu nome, YHWH, a eles não me fiz saber.” (Ex. 6:3).

O significado de “a eles não me fiz saber” denota maior amplitude a este novo Nome. Mais ainda, este Nome contém em si alguma informação que vai além daquela conhecida pelos patriarcas. A eles Deus se revela como “Shadai”, como um Deus que é parte da natureza. Agora, a Moisés, novamente o Nome de Deus se expressa pelo tempo. Da mesma forma que “Serei O Que Serei” se esforça para definir um tempo distinto, YHWH, o Tetragrama em forma de Nome-revelação, também é um empenho por definir algo novo.

Qualquer pessoa familiarizada com a língua hebraica sabe que YHWH está associado à noção de tempo, uma vez que contém o radical do verbo existir ou do verbo SER. Como a língua hebraica não declina o verbo “ser” no presente, YHWH parece ser uma mistura dos verbos “ele será, ele foi e ele é” somado ao gerúndio do verbo SER. Já outros preferem a leitura do Tetragrama como uma representação do tempo presente (HWH) sendo precedido pela partícula Y, que lhe dá um sentido de futuro. Ou seja: Eu sou aquele que empurra o Presente na direção do Futuro. Nessa leitura, Deus se define como a própria força motriz do tempo.

Mais do que se expressar como o tempo – lembrando que o tempo designa forma e Deus se revelou nos Dez Mandamentos como ausente de forma ou irrepresentável -, talvez haja aqui um esforço para tornar visível ao humano algo que lhe é interdito. Em resumo, o Tetragrama seria um código do tempo. Como um algoritmo ou uma instrução sobre o tempo. Neste saber estaria o mapa ou o caminho (Torá) ao Criador.

Como se empenhado em mediar entre o saber e a nossa ignorância, o Criador talvez estivesse dizendo que o maior obstáculo a Ele é a noção limitada que temos do tempo. Sem ultrapassar nossa ilusão do tempo, não podemos nos sensibilizar à presença ou à existência do Criador. Basicamente Deus não há na realidade que concebemos no dia-a-dia. Esta seria a razão o esforço por estabelecer outros parâmetros para a leitura da realidade que permitam “enxergar” o que está para além de nossa visão. Esta, em si, é a Revelação.

(Nilton Bonder, “Sobre Deus e o Sempre”, Editora Campus, 2003, págs. 15/18)

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