• Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e faz chover sobre justos e injustos.

    Mateus 5:44,45

  • Disse-lhes ele: Por causa da vossa pouca fé; pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele há de passar; e nada vos será impossível

    .

    Mateus 17:20

  • Qual de vós é o homem que, possuindo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto, e não vai após a perdida até que a encontre?

    Lucas 15:4

  • Então ele te dará chuva para a tua semente, com que semeares a terra, e trigo como produto da terra, o qual será pingue e abundante. Naquele dia o teu gado pastará em largos pastos.

    Isaías 30:23

  • As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu as conheço, e elas me seguem;

    João 10:27

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Verso do dia

Irineu e a igreja em Roma

Escrito por  Gustavo
Irineu de Lião

Foi nos primeiros anos da igreja cristã que Irineu, bispo de Lião, escreveu sua monumental obra Contra Heresias, destinada a refutar o gnosticismo, sistema de doutrinas que ameaçavam a igreja daqueles tempos. Esta obra, que sobreviveu apenas através de uma tradução para o latim, nos dá grande mostra de como era a teologia nos primeiros séculos, e muito pode-se aprender com ela.

Obviamente, uma obra de tal importância não poderia se ver livre de controvérsias. E aqui chamamos a atenção para um trecho cuja interpretação tem sido muito disputada no debate sobre o papel da sé romana na igreja daquele tempo. Este trecho se encontra no livro 3, capítulo 3 de Contra Heresias:


Mas visto que seria coisa bastante longa elencar, numa obra como esta, as sucessões de todas as igrejas, limitar-nos-emos à maior e mais antiga e conhecida por todos, à igreja fundada e constituída em Roma, pelos dois gloriosíssimos apóstolos, Pedro e Paulo, e, indicando a sua tradição recebida dos apóstolos e a fé anunciada aos homens, que chegou até nós pelas sucessões dos bispos, refutaremos todos os que de alguma forma, quer por enfatuação ou por vanglória, quer por cegueira ou por doutrina errada, se reúnem prescindindo de qualquer legitimidade. Com efeito, deve necessariamente estar de acordo com ela, por causa da sua origem mais excelente, toda a igreja, isto é, os fiéis de todos os lugares, porque nela sempre foi conservada, de maneira especial, a tradição que deriva dos apóstolos1.

Afinal de contas, o que Irineu queria dizer quando falou que “toda igreja deve estar de acordo com a igreja de Roma”? Estaria ele afirmando que todas as igrejas seguiam a igreja de Roma na questão de doutrinas e práticas? É isto que alegam vários católicos romanos, indicando este texto como prova de que a igreja de Roma tinha primazia sobre todas as outras igrejas da época.

No entanto, tal interpretação não é a única interpretação válida. Quem nos explica isto é J.N.D. Kelly:

Para ilustrar seu argumento, Irineu, num texto famoso e muito debatido, escolheu a igreja romana; sua grandeza, sua antiguidade, o fato de ter sido fundada pelos apóstolos Pedro e Paulo e também o de ser universalmente conhecida, faziam com que ela fosse um bom exemplo. Ad hanc enim ecclesiam, assim diz a tradução latina que chegou até nós, propter potentiorem principalitatem necesse est omnem convenire ecclesiam, hoc est eos qui sunt undique fideles, in qua semper ab his qui sunt undique conservata est ea quae est ab apostolis traditio. Se aqui conivere significa “concordar com” e principalitas refere-se à primazia romana (qualquer que seja o sentido disso), pode-se interpretar que a ideia básica desse trecho é de que se exige que os cristãos de todas as outras igrejas concordem com a igreja romana, tendo em vista sua posição especial de liderança, pois a tradição apostólica autêntica é sempre preservada pelos fiéis que estão em toda parte. Muitos aceitam essa interpretação ou alguma variante dela, mas é estranho que in qua refira-se a hanc … ecclesiam, além de ser um anacronismo atribuir tal pensamento a Irineu. Por isso, parece mais plausível relacionar in qua com omnem ... ecclesiam e entender que Irineu está indicando que a igreja romana oferece um exemplo ideal porque, “em vista de sua preeminente autoridade”, baseada no fato de ter sido fundada tanto por Pedro quanto por Paulo, em sua antiguidade, e assim por diante, cada igreja – ou talvez toda a igreja – em que a tradição apostólica foi preservada deve, como decorrência natural, concordar com ela. Não existe, portanto, nenhuma alusão às reivindicações petrinas posteriores da sé romana2.

O que J.N.D. Kelly nos informa é que in qua (na tradução acima, traduzido por porque nela) pode se referir tanto à com ela, como a toda a igreja. Como toda a igreja é o referente mais próximo de in qua, o mais natural é que este se refira a toda a igreja. Ou seja, Irineu estaria nos dizendo que toda a igreja conserva a tradição dos apóstolos, e portanto a igreja mais conhecida e mais antiga serviria muito bem de exemplo do que toda esta igreja conserva, já que elas concordam entre si. Usando uma terminologia moderna para explicar melhor estas palavras, suas doutrinas deveriam estar “sincronizadas”. E para ilustrar como esta tradução ficaria, trazemos aqui a tradução feita por Philip Schaff do mesmo texto:

Contudo, já que seria muito tedioso em um volume como este reconhecer as sucessões de todas as igrejas, colocaremos em confusão todos aqueles que, de qualquer forma, seja por uma maligna satisfação própria, por vanglória ou por cegueira e opinião perversa, se ajuntam em encontros não autorizados; [fazemos isto, eu digo,] indicando aquela tradição derivada dos apóstolos, daquela grande, mais antiga e universalmente conhecida Igreja fundada e organizada em Roma pelos dois mais gloriosos apóstolos, Pedro e Paulo; como também [apontando] a fé pregada aos homens, que chega aos nossos tempos por meio da sucessão de bispos. Pois é uma questão de necessidade que cada Igreja concorde com esta Igreja, com relação à sua preeminente autoridade, ou seja, os fiéis em todos os lugares, na medida que a tradição apostólica tem sido preservada continuamente por aqueles [homens fiéis] que existem em todos os lugares3.

Roma possuía a igreja mais conhecida, exatamente por que Roma era capital do império e por isto muitos acabavam indo à cidade. E por isto, poderia ser a escolha mais apropriada para o exemplo do que Irineu queria demonstrar.

Assim, a questão não está decidida apenas com a apresentação deste texto. Poderíamos então apontar uma interpretação que tenha mais peso?

Como já dissemos, o mais natural seria entender in qua apontando para seu antecedente imediato. Mas poderíamos ainda citar outro evento que ocorreu na igreja daquela época, e que mostra como se dava a relação de Irineu com o bispo de Roma, Vítor. Trata-se da controvérsia sobre a Páscoa, que foi registrada por Eusébio de Cesareia:

Com isso Vítor, o bispo da igreja de Roma, logo se empenhou em desligar da unidade comum as igrejas de toda a Ásia, juntamente com as igrejas adjacentes, considerando-as heterodoxas. E ele publica anunciando por meio de cartas e proclama que todos os irmãos de lá estão totalmente excomungados. Mas essa não foi a opinião de todos os bispos. Eles o exortaram de imediato, pelo contrário, para considerar aquele curso calculado para promover a paz, a unidade e o amor mútuo.

Também restam as expressões que empregaram para pressionar com grande severidade a Vítor. Entre eles também estava Irineu que, em nome dos irmãos da Gália, sobre os quais presidia, escreveu uma epístola em que defende a obrigação de celebrar o mistério da ressurreição de nosso Senhor apenas no dia do Senhor. Ele também admoesta convenientemente Vítor a não cortar igrejas inteiras de Deus que observassem a tradição de um costume antigo. Depois de muitos outros assuntos apresentados por ele, Irineu também acrescenta o seguinte: “Pois a disputa não só gira em torno do dia, mas também em torno da maneira de jejuar. Pois alguns pensam que devem jejuar apenas um dia, alguns dois, alguns mais dias; alguns calculam um dia que consiste em quarenta horas, dia e noite; e essa diversidade que existe entre os que o observam não é só uma questão que acabou de surgir em nossos dias, mas há muito, entre os que viveram antes de nós, que, talvez, não tendo regulado com rigidez suficiente, estabeleceram a prática que nasceu de sua simplicidade e inexperiência. E ainda assim, com todos eles mantiveram paz e mantemos paz uns com os outros; e a própria diferença em nosso jejum estabelece a unidade de nossa fé”.

A isso Irineu também acrescenta uma narrativa que posso aqui inserir com proveito. A narrativa é a seguinte: “E aqueles presbíteros que governam a igreja antes de Sotero e sobre a qual presidis agora, digo Aniceto e Pio, Higino com Telésforo e Xisto, também não o observaram e não permitiram que seus seguidores o observasse. Ainda assim, ainda que eles mesmos não o observassem, nem por isso tiveram menos paz com os das igrejas em que aquilo era observado, sempre que vinham a eles; ainda que guardá-lo, então, fosse mais uma oposição aos que não o guardavam. E também em tempo algum desligaram alguém só por causa da forma. Mas os próprios presbíteros diante de vós, que não o observavam, enviaram a eucaristia àqueles das igrejas que o observavam. E quando o bendito Policarpo foi à Roma, nos dias de Aniceto, e tiveram pequena desavença entre eles igualmente a respeito de outras questões, reconciliaram-se de imediato, sem discutir muito um com o outro nesse assunto. Pois nem Aniceto conseguiu persuadir Policarpo a não observá-lo, porque ele sempre o observara com o apóstolo João e o restante dos apóstolos com quem se associara; nem Policarpo persuadiu Aniceto a observá-lo, pois este dizia que era obrigado a manter a prática dos presbíteros anteriores a ele. Sendo assim, eles comungaram um com o outro e, na igreja, Aniceto cedeu a Policarpo, sem dúvida por respeito, o ofício de consagrar; e se separaram em paz, ficando toda a igreja em paz; tanto os que observavam como os que não, mantendo paz”.

E esse mesmo Irineu, como alguém cujo caráter condiz bem com o nome, sendo desse modo promotor da paz, exortou e negociou questões tais como essa pela paz das igrejas. E não apenas a Vítor mas igualmente à maior parte dos outros bispos das igrejas, enviou cartas de exortação sobre questões controvertidas4.

Então, quando o bispo de Roma tenta impor o costume romano relacionado à Páscoa, toda a igreja o acata? Irineu, que supostamente alega que toda a Igreja deve “concordar” com Roma, escreve para as igrejas que não concordam com a atitude do bispo de Roma, dizendo que eles deveriam necessariamente concordar com ele? Não. Irineu escreve, pelo contrário, a Vítor, dizendo que ele não deveria excluir igrejas da comunhão.

Não foi só isto. Irineu ainda adiciona a narrativa a respeito de Aniceto e Policarpo, e como um não conseguiu convencer o outro. E mais uma vez aqui, se há a necessidade de concordância com o bispo de Roma, por que então Policarpo não cedeu?

Tudo isto pesa a favor de uma interpretação que vê a Igreja de Roma apenas como um exemplo, e não como uma fonte de autoridade.

Notas

1. Ireneu de Lião, Contra Heresias, livro 3, capítulo 3, parágrafo 2, Coleção patrística, Volume 4, editora Paulus.

2. Kelly, J.N.D., Patrística: origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da fé cristã, pág. 145, editora Vida Nova.

3. Ireneu de Lião, Contra Heresias, livro 3, capítulo 3, parágrafo 2, tradução feita a partir da obra de Philip Schaff, ANF01. The Apostolic Fathers with Justin Martyr and Irenaeus, que pode ser acessado em http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf01.ix.iv.iv.html

4. Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, Livro 5, capítulo 24, págs. 193 a 195, editora CPAD.

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